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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Dez argumentos contra o novo imposto

Há que se desfazer qualquer mal-entendido: a Contribuição sobre Transações Financeiras (CTF) e o Imposto Único sobre Transações (IUT) não são a mesma coisa. A Contribuição sobre Transações Financeiras (CTF) que o governo pretende adotar é copiada da Argentina. Incidirá sobre os débitos bancários com uma alíquota de 0,3%. O IUT é um imposto único que incidirá em 1% sobre débitos e créditos bancários não financeiros. Ele ainda incidirá não cumulativamente sobre o rendimento real das aplicações financeiras a uma alíquota de 25%. O objetivo deste artigo é explicitar dez razões pelas quais a CTF é uma péssima forma de tributar e pelas quais, em contraposição, o IUT é um bom imposto.

1 - A CTF será mais um imposto a ser adicionado ao atual sistema tributário, cujas principais características permanecerão como se encontram hoje. Todos os seus defeitos e distorções permanecerão praticamente intocados. Perdurará um sistema tributário de baixa produtividade, burocratizado, de incidência desigual, regressivo, contaminado pela corrupção e pela expansão da economia informal. Já o IUT pretende ser um novo modelo. Substituiria todos os impostos arrecadatórios atualmente cobrados do contribuinte e implicaria uma radical mudança na sistemática tributária brasileira.


2 - A CTF incidirá sobre todos os débitos bancários, mercantis e financeiros. Implicará uma cunha fiscal tanto maior quanto mais curto for o prazo da operação. Isso poderá encarecer e até inviabilizar operações em Bolsas, descontos de duplicatas e aplicações de curto prazo, como depósitos de poupança e "hot money." O IUT prevê sistemáticas diferentes para a tributação de operações financeiras. Em realidade, haveria uma tributação sobre lucros financeiros reais com alíquotas de 25%. Pela sistemática operacional proposta, as transações financeiras não seriam oneradas enquanto ocorrerem dentro do circuito do mercado de capitais. A tributação ocorreria apenas na transferência dos ganhos reais para a conta corrente dos aplicadores, ao se tornarem disponíveis para outros tipos de transações.


3 - A CTF não prevê sobretaxação de saques e depósitos de numerário do sistema bancário. O IUT impõe alíquota dobrada nessas operações. Assim, o IUT desestimularia fortemente a desintermediação bancária, o que não ocorre com a CTF.


4 - A CTF impõe custos marginais positivos para o sistema bancário, pois trata-se de mais um imposto a ser arrecadado pelos bancos. O IUT eliminaria os impostos atualmente existentes, reduzindo brutalmente os custos bancários atuais. Nesse sentido, o IUT teria custo marginal negativo para o sistema bancário.


5 - Considerando-se que o custo marginal da CTF é de cerca de 15 centavos por lançamento, grande parte das transações bancárias terá arrecadação negativa. Cerca de 60% dos cheques de pessoas físicas terão de ser isentados da CTF (com perda de cerca de 10% da arrecadação prevista). A alternativa seria o recolhimento após acumulação das transações durante períodos predeterminados ou após ultrapassarem os limites que tornem a cobrança viável economicamente. Nesse caso, os recursos fiscais ficariam retidos no sistema bancário, perdendo poder aquisitivo devido à inflação (efeito Tanzi).


6 - A CTF não move uma palha para reduzir a burocracia fiscal brasileira, pois aquele imposto é adicionado ao rol dos tributos atualmente existentes. Continuarão existindo centenas de livros fiscais, talonários, declarações, formulários etc. O IUT eliminaria completamente a parafernália fiscal, liberando recursos equivalentes a cerca de 5% do PIB hoje consumidos nas estéreis obrigações tributárias acessórias impostas ao setor privado e nos custos administrativos fiscais em todos os níveis e poderes da administração pública. Desapareceriam as declarações de impostos e a necessidade de justificar, do ponto de vista fiscal, a origem de recursos.


7 - O IUT prevê um arcabouço institucional que impediria a circulação de cheques como se fossem moeda. Seria proibida a emissão de cheques ao portador. Mesmo os endossos teriam de ser feitos nominativamente, e cada um deles implicaria a cobrança de IUT quando do depósito do cheque no sistema bancário. A CTF não prevê essas salvaguardas institucionais para desestimular o uso do cheque como quase-moeda. Essa prática é naturalmente limitada pelos riscos que tal operação implica, como atesta o crescente número de cheques sem fundos. Porém, como ocorreu na Argentina, o fenômeno da circulação de cheques poderá acontecer, corroendo o potencial arrecadador da CTF.


8 - A CTF não incorpora totalmente a economia informal, um universo tributário brasileiro. Mais de 80% da arrecadação pública ainda continuará incidindo desigualmente sobre os segmentos formais da economia e, dentro deles, nos setores mais incapazes de praticarem evasão fiscal, como é o caso da tributação direta sobre os assalariados. O IUT acabaria com a distinção entre economia formal e informal, além de eliminar a evasão, a sonegação e a corrupção fiscais.


9 - A CTF está sendo adotada pelo governo apenas por seu grande potencial arrecadador. Em realidade, parece ter sido apenas esta a qualidade que atraiu a atenção da Comissão de Reforma Fiscal. Contudo, ao adicioná-la ao rol dos demais impostos e contribuições existentes, o governo ignora as vantagens desburocratizantes e moralizantes que um imposto sobre transações financeiras poderia ter se fosse único. O IUT garantiria, além de alto potencial de arrecadação, a desburocratização radical do sistema, a libertação do indivíduo dos controles estatais e a extrema economicidade gerada pela radical automatização da coleta tributária.


10 - A CTF, por ser um imposto a mais e por não estabelecer critérios operacionais diferenciados para transações mercantis e financeiras, terá que forçosamente isentar determinados tipos de transações de sua incidência, como por exemplo, a poupança. À medida que se aceitem exceções, estarão abertas verdadeiras avenidas para as mais variadas formas de burla, como por exemplo, o pagamento de salários e de outras operações diretamente nas cadernetas de poupança. O IUT prevê algumas mudanças institucionais para ampará-lo. Seriam alterações cujos custos apenas justificariam sua implementação no caso de o IUT ser o imposto único do sistema. Com a CTF, as mesmas mudanças conflitariam com os demais componentes da atual estrutura tributária. O imposto sobre transações bancárias está sendo proposto sem maiores cuidados para garantir sua correta utilização. Assim, corre-se sério risco de comprometer gravemente os resultados de sua implantação.


Estas dez razões são suficientes para que se reveja a decisão de implantar a CTF. Da forma como está sendo imaginada, essa nova forma de tributação produzirá resultados positivos apenas do ponto de vista de arrecadação. Mas serão introduzidas perigosas distorções no funcionamento da economia brasileira.


O Imposto sobre Transações é uma excelente alternativa para a reforma tributária brasileira se for único, como o IUT; mas se for mais um imposto, como a CTF, agravará as já inaceitáveis contradições do atual modelo tributário brasileiro.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 46, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA), é professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas em SP (FGV-SP) e presidente regional do PDS.


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