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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Enquanto o Imposto Único não vem

"To tax and to please, no more than to love and be wise, is not given to men."

(Edmund Burke, 1774)


Continuo sendo um ardoroso defensor do imposto único sobre transações. O IUT foi deturpado e mal utilizado no ajuste tributário aprovado na Câmara. Mas ainda acredito que o imposto único poderá ser incorporado na reforma constitucional.


Como infelizmente nossos legisladores ainda insistem em manter o atual sistema tributário, apesar de todas suas imperfeições, muito a contragosto sou obrigado a discutir os critérios de cobrança do IPTU em São Paulo.


Tudo seria mais fácil e simples com o imposto único, mas enquanto ele não vem, tapemos as narinas e mergulhemos na polêmica do IPTU.


O IPTU, Imposto Predial e Territorial Urbano, em São Paulo é irrisório frente ao que se arrecada em outras cidades do mundo, inclusive no Brasil. Basta comparar os valores cobrados em São Paulo com os de cidades de veraneio, como Guarujá, ou mesmo com o Rio de Janeiro.


Cumpre dizer que a Prefeitura de São Paulo espera arrecadar US$ 195 milhões com o IPTU em 1993, sendo que em 1991 aquela receita atingiu US$ 397 milhões. Ou seja, a administração Paulo Maluf preferiu arrecadar a metade daquilo que poderia ser considerado como uma arrecadação normal.


Infelizmente, os fatos que marcaram a cobrança do IPTU no ano passado estão sendo usados para induzir os contribuintes paulistanos a um raciocínio falacioso.


Vale recordar que as previsões de arrecadação do IPTU em 1992, último ano da administração petista, beiravam US$ 700 milhões, um aumento de 75% reais sobre os valores arrecadados no ano anterior. Concedida liminar contra a prefeitura, a Justiça determinou que a alíquota inicial da escala progressiva valeria como alíquota geral, de 0.2%.


No projeto original da então prefeita Luiza Erundina, as alíquotas para imóveis residenciais iniciavam-se em 0.2% e chegavam até 1.2%; para os imóveis comerciais a alíquota mínima era de 0,6%, e a máxima de 2,4%; no caso do imposto para terrenos, a alíquota mais baixa era de 0,75%, e a mais alta atingiu 5% do valor venal do imóvel.


O impacto da liminar na arrecadação do IPTU em 1992 foi arrasador. A receita total beirou US$ 120 milhões. Obviamente, foi um acidente de percurso. Até o final do exercício de 1992, a administração petista trabalhou com a hipótese de ganho de causa no judiciário e previu uma arrecadação adicional de US$ 200 milhões, que foram gastos sem lastro financeiro. Esta va esperança culminou com uma conta de restos a pagar para Paulo Maluf de mais Cr$ 1.5 trilhão.


Evidentemente, a arrecadação do ano passado não pode ser tomada como base de comparação com as previsões de arrecadação para 1993. No entanto, tem sido esta a tônica das críticas, quando afirmam que o IPTU de 1993 terá acréscimo real de até 110%.


O IPTU cobrado pela atual administração terá uma única alíquota, de 0,6%. Esta taxa incidirá sobre os valores venais dos imóveis. Contudo, os valores venais não foram corrigidos pela inflação de 1.100% do ano passado, mas em apenas 800%. Ademais, todos os imóveis residenciais com valor venal em janeiro de até Cr$ 886 milhões (vale lembrar que este valor já incorpora correção a menor relativamente à inflação) terão direito a uma redução adicional de Cr$ 154 milhões no valor venal. Assim, a taxa de 0,6% incidirá sobre uma base duplamente desvalorizada. Para os imóveis comerciais, o desconto será de Cr$ 108 milhões para imóveis até Cr$ 308 milhões.


Esta estrutura de cobrança do IPTU foi cuidadosamente calibrada para não sobrecarregar a população de baixo poder aquisitivo. Comparando-se o IPTU de Paulo Maluf com a estrutura proposta pela administração anterior verifica-se o seguinte:


  1. O imposto territorial incidente sobre terrenos sofreu forte decréscimo real para todas as faixas. Isto é fácil de entender, pois serão tributados com alíquota única de 0,6% (a arrecadação será de US$ 17 milhões), ao passo que o projeto alternativo tributava com alíquota mínima de 0,75%, e chegava até 5%, (com receita prevista de US$ 120 milhões).

  2. O imposto predial incidente sobre imóveis não-residenciais sofreu forte decréscimo real para todas as faixas. Isto também é simples de entender. pois serão tributados pela alíquota única de 0,6% (a arrecadação será de US$ 92 milhões), ao passo que o projeto alternativo tinha alíquota mínima de 0,6%, e chegava até 2.4%, (com arrecadação prevista de US$ 400 milhões).

  3. O imposto predial residencial também sofreu decréscimo para todas as faixas. A alíquota única de 0,6% e os descontos concedidos, implicarão arrecadação de US$ 85 milhões, ao passo que o projeto alternativo não previa descontos (apenas isenção para imóveis de valor venal até Cr$ 108 milhões), e tinha alíquotas iniciais de 0,2%. mas chegavam a 1%. A arrecadação prevista era de USS 155 milhões.


Para finalizar, cumpre acrescentar que o IPTU residencial logrou fazer justiça social. Proprietários de imóveis com valor venal de até Cr$ 337 milhões, que somam 87% de todas as residências da cidade, terão redução real do IPTU mesmo tomando-se como base de comparação os valores pagos em 1992. Apenas os 13% mais ricos terão aumentos reais relativamente ao ano passado. Mas em 1992, por uma inegável anomalia, a população mais rica pagou o IPTU com a nítida sensação de que foi pouco.


Acreditamos ter logrado um difícil equilíbrio nesta barafunda fiscal existente no Brasil. Mas repito: o melhor ainda seria o imposto único. Vamos a ele na reforma da Constituição.


MARCOS CINTRA, 47. Doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA), é secretário do Planejamento da cidade de São Paulo.



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