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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O Imposto Único e seu irmão bastardo, o IPMF

Está para ser consumado um estelionato intelectual contra o Imposto Único: a implantação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF).


É mais do que um insulto aos defensores do IUT: é também uma ameaça à sua futura implementação.


O imposto único sobre transações financeiras se afirma a partir de uma relação custo-benefício claramente identificada. Os benefícios são a universalidade tributária, a simplicidade de arrecadação, o fim da corrupção, a eliminação dos custos sociais das atuais obrigações tributárias acessórias e a minimização da injustiça fiscal que tributa desumanamente os que não podem se defender da fúria arrecadadora do Estado e da sua burocracia.


Como não poderia deixar de ser, a implementação do IUT exige uma série de salvaguardas para evitar a corrosão de sua base tributária: a sobretaxação dos saques de numerário do sistema bancário; o controle ou até a proibição de endossos; alguns controles nas tentativas de criação de sistemas paralelos de compensação de documentos de crédito, atividade, aliás, privativa do sistema bancário; e modificações institucionais profundas na forma de se efetuar transações financeiras e de capital.


O saldo, porém, é amplamente favorável ao IUT.


O mesmo não se pode dizer do IPMF. O novo imposto em nada contribui para reduzir os custos e a burocracia do atual sistema, pois ele é apenas adicionado à estrutura existente. Pelo contrário, trata-se de mais uma preocupação fiscal para os contribuintes, para os bancos e para o governo. Será mais um imposto a ser arrecadado, controlado e fiscalizado. Implicará novos custos para o sistema arrecadatório bancário que, além de todos os controles e rotinas para administrar os vinte e tantos impostos atualmente existentes, ainda terá de lidar com mais um.


Também não contribuirá significativamente para universalizar a obrigação tributária, já que, com a alíquota proposta, o IPMF contribuirá, na melhor das hipóteses, com apenas cerca de 5% da carga tributária brasileira.


A implantação do IPMF não servirá nem mesmo para testar o potencial arrecadador do imposto sobre transações financeiras. Já são inúmeras as pressões para se isentar o trabalhador, o aposentado, os depósitos de poupança (e certamente todas as demais transações financeiras caracterizadas por giros elevados e margens reduzidas), os Estados e municípios, etc., etc., etc.


Cumpre dizer que todos os pleitos de isenção são justos para um imposto adicional, meramente arrecadador como o IPMF. Porém, é preciso ter em conta que a cada isenção, a cada caso especial criado, aumentam os custos do imposto e amplia-se a complexidade do sistema. Um tributo criado para ser simples e automático, rapidamente se transformará em novos corredores do inescrutável labirinto tributário brasileiro. Será um imposto de cobrança cara, de implementação complexa, de administração burocratizada e convidativa à corrupção. A antítese do IUT.


O mais preocupante, porém, é que, por ser um imposto provisório e de reduzida participação na receita total, não se justificarão adaptações institucionais e operacionais que necessariamente seriam introduzidas se o IUT passasse a vigorar.


Como um imposto provisório, não se espera que os endossos de cheques sejam controlados ou proibidos, que se criem contas bancárias especiais para servir de base para as operações financeiras, ou que os saques de numerário do sistema bancário sejam desestimulados, providências que, necessariamente, acompanhariam o IUT se viesse a ser implantado.


Igualmente desalentador é que o IPMF está sendo utilizado para amortecer a imperiosa urgência de uma verdadeira reforma fiscal no País. O IPMF não contribui para reverter o atual clima de desalento. Os agentes econômicos não o interpretam como uma contribuição concreta no sentido do equacionamento da atual crise fiscal. Ao contrário, veem nele a continuidade da falta de condições objetivas de se buscar um setor público eficiente e ajustado às necessidades do País.


Ainda há tempo para se evitar esta infeliz improvisação. E, em seu lugar, que se aprove uma verdadeira reforma tributária, como preconizada pelos defensores do Imposto Único.




Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Ph.D. em Economia pela Universidade de Harvard, é professor da FGV/SP, vereador e secretário do Planejamento do Município de São Paulo.


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