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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A experiência Argentina e o IPMF


Uma das mais freqüentes críticas à tributação sobre transações financeiras no Brasil se reporta à sua aplicação na Argentina a partir de 1984.

Nos dias 6 e 7 de abril, um grupo composto pelos deputados Roberto Campos, Luis Roberto Ponte e Flávio Rocha, pelos economistas Daniel Dantas, Pedro Bodin, Luis Zottman e pelo autor esteve na Argentina para encontros com economistas, banqueiros, com o ministro Cavallo e seu secretário de Receita, além de empresários.

O imposto sobre débitos bancários na Argentina teve várias fases. Foi inicialmente um tributo provisório e de baixa arrecadação. Mas se transformou em importante coadjuvante no ajuste fiscal realizado naquela economia, até sua extinção, em julho de 1992.


O ministro Cavallo, que aumentou a alíquota para 1,2%, atribuiu ao imposto papel de fundamental importância no esforço de estabilização. Chegou a arrecadar US$ 1,80 bilhão, ou 1,27% do PIB. Superou todos os demais impostos cobrados na Argentina, exceto o imposto sobre valor agregado (US$ 7,2 bilhões) e o imposto sobre combustíveis (US$ 2,7 bilhões).

Sua extinção deveu-se exclusivamente à sua incompatibilidade com o modelo tributário ortodoxo que se busca aplicar naquele país.

De fato, o imposto sobre transações não se coaduna com a estrutura tributária tradicional, da mesma forma que também não se coaduna com as intenções do atual governo brasileiro de implantar o IPMF como um apêndice da atual parafernália tributária brasileira.

O grande esforço do governo argentino se concentra na implantação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Com a portentosa fé dos recém-convertidos, avança-se rapidamente na universalização do IVA, ainda que com imensos custos burocráticos e com um clima repressivo que beira o nazismo fiscal.

No Brasil, já trilhamos o mesmo caminho desde meados da década de 60, quando Roberto Campos implantou o IVA pioneiramente em todo o mundo.

Nestes últimos 30 anos, contudo, confirmaram-se amplamente as inconveniências e os elevados custos dos impostos declaratórios. Perdemos a inocência tributária e a fé desvaneceu.

Hoje, voltamo-nos para os impostos automáticos, não-declaratórios, produtos da era da informática, mais justos, mais baratos e mais eficientes, ainda que mais ousados, atrevidos e polêmicos.

No Brasil, um imposto sobre transações encontra justificativa não só como potente tributo de estabilização, mas também como a base de uma nova estrutura tributária, a exemplo do projeto do Imposto Único e da proposta do deputado Luis Roberto Ponte, de impostos não-declaratórios.

A experiência do Imposto sobre Débitos Bancários da Argentina confirma a viabilidade destes novos modelos tributários.

Alegam os críticos do imposto sobre transações que o imposto sobre débitos naquele país teria sido o causador de intensa desintermediação financeira. A elevação das alíquotas aparentemente motivou a perda de transações bancárias e, por conseqüência, o aumento das transações em moeda (austrais ou dólares). Teria havido intensa erosão da base de tributação, além de aumento de custos de transação e perda de competitividade para bancos e para os agentes econômicos em geral.

Desta forma, continuam os críticos, a eliminação daquele tributo em julho do ano passado foi imposição do bom senso e a experiência Argentina não recomendaria sua implantação no Brasil.

Esta correlação, contudo, é espúria, pelas razões que seguem.

Cabe apontar inicialmente que o Brasil possui condições estruturais mais propícias a impostos sobre transações do que a Argentina. Mesmo em sua fase inicial, quando a alíquota era de 0,1 % ou 0,2% e quando, portanto, não houve tentativa de evasão do tributo, estava implícita uma relação transações bancárias/ PIB de 2,5. No Brasil, esta relação é de cerca de 12.

Em outras palavras, utilizam-se os bancos no Brasil com muito mais intensidade do que na Argentina. De fato, o cheque é pouco utilizado naquele país. Cheques não são utilizados pelas pessoas físicas ou pelo comércio. O sistema bancário ainda é pouco informatizado e não existe uma câmara nacional de compensação como no Brasil. Os custos são elevados e os cheques têm pouca credibilidade como meio de pagamento.

Ademais, a defeituosa regulamentação do imposto sobre débitos na Argentina permitiu a corrosão da base de incidência. Apenas os cheques eram tributados, excluindo-se outros tipos de lançamentos bancários, como cobranças (contas de recaudación), transferências em conta, depósitos a prazo e endossos. Havia alíquotas diferenciadas e grande número de isenções e imunidades. Estes desvios foram paulatinamente eliminados, mas a evasão foi intensa durante a maior parte da vigência do imposto, levando a relação transações bancárias/ PIB a cerca de 1,2 em 1991.

Cumpre dizer que esta queda deveu-se, sobretudo, a fatores independentes do imposto sobre débitos.

Entre 1988 e 1991, a Argentina sofreu enorme instabilidade e dois surtos hiperinflacionários. Neste período, os depósitos bancários à vista rendiam juros fortemente negativos, causando migração de recursos para os depósitos a prazo (não-tributados) e para os mercados informais de aplicações overnight.

Estes últimos funcionavam como bancas de jogo do bicho, na base da estrita confiança. Pessoas físicas ainda convertiam seus rendimentos em austrais para dólares com perdas que chegaram a até 4%, numa clara demonstração da perda de competitividade das aplicações bancárias e de como há margem para o aumento de alíquotas de imposto sobre transações em sistemas bancários confiáveis.

Nestas circunstâncias, não há como atribuir a evasão bancária ao imposto sobre débitos.

A lição que a experiência Argentina nos ensina é tripla. Primeira: há que se produzir uma regulamentação competente. Segunda: o Brasil possui condições estruturais que nos permitem antever grande sucesso com imposto sobre transações bancárias. Terceira: trata-se de um imposto ágil, de custo baixíssimo (como reconhecido pelos próprios banqueiros argentinos) e que não suscitou reação contrária da população.

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

 

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