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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A arrecadação do Imposto Único

Um dos temas mais polêmicos referentes ao Imposto Único são as estimativas de arrecadação. Pretende-se aqui resumir o debate e avançar na frente empírica da questão.


A intenção do projeto do Imposto Único (IUT) é garantir a mesma arrecadação atual, ou seja, cerca de US$ 80 bilhões a US$ 85 bilhões anuais. Esse é o volume médio de recursos arrecadados nos últimos anos pelos três níveis de governo e pela Previdência. Tentaremos estimar o valor corrente das transações, para que a comparação seja compatível com as flutuações cíclicas da economia.

O primeiro cálculo sobre o volume de transações bancárias, que é a base de incidência do IUT, foi realizado dentro da própria Febraban em 1990. Tomou-se uma amostra de oito bancos, que juntos representavam 26% do total de depósitos do sistema. Excluindo as transações vinculadas ao setor público e as contas de reservas bancárias, chegou-se à conclusão de que o sistema bancário brasileiro efetuava lançamentos em conta corrente de clientes no montante de operações de US$ 400 bilhões mensais - US$ 800 bilhões de valor mensal de lançamentos e US$ 9.600 bilhões anuais.


Tomando-se por base a tributação dobrada das transações em moeda nos bancos e a sistemática especial para aplicação nas transações financeiras e no mercado de capitais, a arrecadação prevista é de US$ 111,347 bilhões. Supondo um enxugamento da base de 20%, a arrecadação seria de US$ 89 bilhões anuais, bem acima de US$ 70 bilhões a US$ 75 bilhões anuais, que é a receita líquida desejada para garantir neutralidade na arrecadação.


Pode-se supor, conservadoramente, que os custos de controle, lançamento, arrecadação e cobrança de impostos, envolvendo atividades nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, executados no âmbito da União, dos 27 Estados e dos cerca de 6.000 municípios, impliquem custos de US$ 10 bilhões.


Cabe lembrar que além dos custos da Receita Federal, das receitas estaduais e das coletorias municipais, estamos incluindo os relativos à arrecadação previdenciária e ao funcionamento das atividades judiciárias e legislativas vinculadas direta e indiretamente a questões tributárias. Por exemplo, varas de fazenda, processos e ações na Justiça e atividades legislativas ligadas à criação e regulamentação de tributos nos mais de 6.000 parlamentos existentes no país.


Além desses cálculos, outros foram elaborados a pedido da Febraban pela MCM Consultores Associados e pela KPMG, Peat Marwick Consultores. O trabalho da MCM Consultores Associados utiliza uma estranha metodologia: estima a carga tributária bruta "normal" e em seguida faz a comparação com a arrecadação gerada pelo "atual" volume de transações bancárias. Dois pesos e duas medidas.


Em outras palavras, a receita desejada é superestimada pelo expurgo dos efeitos contracionistas do quadro econômico anual (estima-se uma arrecadação normal de US$ 100 bilhões), ao passo que o potencial de arrecadação é subestimado, ao incorporar todos os impactos da brutal recessão.


O estudo elaborado pela KPMG toma por base uma amostra restrita de instituições bancárias. Mas afirma que os dados "foram utilizados sem quaisquer análises que possam ratificar sobre a adequação e veracidade dessas informações".


O volume de transações que constituiria a base de cálculo do IUT foi estimado em US$ 6.647 bilhões anuais. Consideradas as alíquotas aplicáveis no projeto do IUT (1% para os lançamentos bancários mercantis, 4% para os saques e depósitos em moeda e 25% para o rendimento real das aplicações financeiras), "a arrecadação anual produzida pelo IUT... poderia ser estimada em US$ 86 bilhões".


Os autores do estudo fazem ressalvas acerca de mudanças comportamentais dos agentes econômicos após a implantação do imposto e alertam acerca de possível superestimação das transações em moeda, bem como o risco de erosão da base tributária mediante desintermediação e dolarização das transações. Mas, por outro lado, reconhecem não terem incluído na base de cálculo do IUT a movimentação da carteira de reservas ligada às atividades com recursos próprios dos bancos e às operações de crédito e financiamento bancários.


Assim, somando-se a tributação decorrente das operações de crédito e financiamento e cujos saldos representam volume equivalente aos do estoque de ativos financeiros, estimando-se que as operações com recursos próprios dos bancos atinjam 5% das operações mercantis e ainda que as taxas e impostos extrafiscais arrecadem US$ 1 bilhão a cada ano, a receita total do IUT chegaria a US$ 92 bilhões.


Estimando-se que a elasticidade de substituição nas operações tributadas implicaria sua redução em 20%, chegar-se-ia a uma arrecadação de US$ 74 bilhões anuais, segundo os dados apresentados pela KPMG.


O estudo da MCM estima o valor total das transações bancárias em US$ 6.972 bilhões. Há que se fazer a ressalva de que boa parte das projeções de arrecadação (seção 5.3 do estudo) foi baseada em premissas equivocadas acerca do funcionamento do IUT. Além de não prever a sobre taxação das operações em moeda, também não considera a tributação diferenciada para as operações financeiras.


Outra estimativa, logo a seguir, avalia a arrecadação do IUT em US$ 68 bilhões.


Contudo, fazendo-se a correta aplicação das premissas do IUT, e tomando-se por base os dados fornecidos pela própria MCM, a arrecadação estimada salta para US$ 86 bilhões, valor que se reduziria para US$ 69 bilhões no caso de perda de base de 20%.


Em resumo, as três estimativas apresentadas produzem receitas tributárias de US$ 69 bilhões (MCM), US$ 74 bilhões (KPMG) e US$ 89 bilhões (do autor).


Cumpre repetir que curiosamente os três estudos partiram de dados fornecidos pela própria Febraban, ainda que em épocas distintas, e quando a discussão do IUT e provavelmente a atitude daquela instituição em relação ao tema encontrava-se em outro estágio de evolução.


Neste momento, é importante trazer à opinião pública um importante elemento adicional.


Desde junho de 1990 até junho de 1992, um banco comercial vem fornecendo ao autor informações detalhadas acerca de suas operações. Trata-se de um dado real, tirado da contabilidade da instituição. Não se trata, portanto, de estimativa, mas sim de um importante "benchmark", contra o qual se pode avaliar as estimativas que foram descritas acima, todas elas baseadas em amostras.


A instituição bancária detém uma fatia de cerca de 2,5% do total do volume de depósitos nos bancos brasileiros. Dados os grandes volumes de transações, pode-se esperar que as demais operações realizadas mantenham aproximadamente a mesma proporcionalidade.


Assim, tomando-se por base os dados do "benchmark", nota-se que a arrecadação do IUT poderia ser de US$ 102 bilhões.


As estimativas apresentadas são altamente encorajadoras. Demonstram que a arrecadação desejada de US$ 85 bilhões poderá ser realizada com alíquota do IUT significativamente mais baixa do que a de 1%, tomada como base de referência.



MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 47, é secretário de Planejamento de Privatização do município de São Paulo, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor titular da Fundação Getulio Vargas (SP).


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