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  • Marcos Cintra

A prefeitura no ritmo da iniciativa privada

A América é ingovernável. Tal frase, dita no leito de morte de Simon Bolívar, Libertador, permanece como um enigma até hoje. Que teria ele querido dizer com tais palavras? Será que Bolívar, por ter percebido que as ex-colônias, no caso específico da América Ibérica, passaram ao largo da Revolução Industrial, profetizou um atraso nos processos produtivos, administrativos e gerenciais, que, de fato, perdura até hoje? Ou estaria ele apenas referindo-se ao irrequieto modo de ser latino, que, muitas vezes, privilegia a vontade em detrimento da racionalidade?


Nós, hoje, ainda não sabemos com exatidão como entender as proféticas palavras de Bolívar, mas podemos, com toda a certeza, transplantá-las para a realidade caótica das grandes cidades brasileiras e latino-americanas, as quais estarão em bom número entre as maiores megalópoles da Terra daqui a exatos sete anos.


Vejamos o exemplo da nossa São Paulo. Desde a década de 50, a cidade cresce a um ritmo que simplesmente ignora qualquer tipo de planejamento, plano viário, lei de zoneamento, traçado e linhas de metrô, preservação de mananciais, uso e ocupação racional do solo, etc. A cidade simplesmente cresce. À noite, enquanto parte da população dorme e a outra parte trabalha, ela cresce. É verdade que seu ritmo de crescimento tem diminuído desde a década de 80. Mesmo assim, 300 mil pessoas - uma cidade de tamanho médio - chegam a São Paulo todos os anos para tentar a sorte. É nesse contexto que defendo as chamadas operações interligadas. O motivo é simples: as leis de uso e ocupação do solo têm mais de 20 anos de idade e só são debatidas uma vez por ano. Para modificá-las são necessários os votos favoráveis de 33 vereadores num total de 55. Ou seja, não é uma tarefa fácil. Por sua vez, a atual lei de zoneamento e o Plano Diretor são muito restritivos e na prática "engessam" a cidade e a capacidade de intervenção do Poder Público no município.


Além disso, as operações interligadas geram um valor adicionado aos empreendedores imobiliários, o qual retoma sob a forma de obras sociais para o usufruto dos munícipes.


Cabe aos conselhos comunitários, sociedades amigos de bairros e à Imprensa a função de fiscalizar o cumprimento das obrigações constantes nas operações interligadas.


No meu entendimento, as operações interligadas são um mecanismo de agilização da máquina administrativa municipal, ou, ainda, um modo de o Poder Público acompanhar mais de perto a iniciativa privada. Ignorá-las equivale a condenar o Poder Público a correr atrás do prejuízo. É condená-lo a apenas multar, fiscalizar, reprimir, o que gera um círculo vicioso em que todos - Governo, empreendedores, munícipes e contribuintes - acabam perdendo.


Na verdade, a operação interligada nada mais é do que uma alteração específica e localizada na lei de zoneamento. É claro que isso não dispensa as necessárias análises técnicas, feitas por urbanistas e economistas, na busca de determinar a mais-valia da intervenção. São os mesmos critérios que norteiam a Câmara quando debate quaisquer mudanças propostas pelos vereadores ou pelo Executivo, só que a intervenção, no caso das operações interligadas, é mais ágil, acompanhando a dinâmica da cidade.


Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é vereador em São Paulo, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV - SP).



Publicado no Jornal Gazeta de Moema.



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