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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A viola e o pão bolorento

O Plano Real vai bem. Mas, por dentro, está bem menos saudável. A aparência é boa. Em menos de um ano, as taxas de inflação despencaram para cerca de 2% ao mês, após terem atingido patamares próximos de 50% mensais nos meses que antecederam a troca da moeda. Este resultado foi atingido sem congelamento de preços e com forte tendência expansionista no nível de atividade econômica. As reservas cambiais ainda estão altas, dando credibilidade à política de estabilização. O que poderia ser melhor?


Mas há indícios de que o Plano Real poderá ter de enfrentar problemas sérios nos meses à frente. Os fundamentos de um plano de estabilização consistente a longo prazo ainda não foram devidamente tratados. Para reforçar esta tese, nota-se indícios de dispersão nos indicadores econômicos, típicos de fases conjunturais imediatamente anteriores a reversões de tendências.


As reformas econômicas estão empacadas. A mais importante de todas, a reforma tributária, está sendo empurrada com a barriga. A segunda mais importante, a reforma administrativa do setor público, apesar da determinação e da coragem do ministro Bresser, vai enfrentar enormes dificuldades. A tibieza com que o governo tratou a greve dos petroleiros é sugestiva e altamente preocupante.


As reservas voltaram a crescer exclusivamente por causa das taxas de juros absurdamente elevadas em comparação com os patamares internacionais. As divisas que ingressam no país são capitais financeiros de curtíssimo prazo e altamente voláteis, como os que vitimaram a economia mexicana no final do ano passado. Ao mesmo tempo, o saldo comercial de maio, que mostra a real posição competitiva do Brasil frente ao resto do mundo, foi deficitário em cerca de US$ 1,5 bilhão.


Em maio, as vendas no comércio paulista foram recordes, segundo indicadores da Associação Comercial de São Paulo. As consultas ao Serviço Central de Proteção ao Crédito aumentaram 30% em relação ao mesmo período do ano passado e cresceram 10% em relação ao mês de abril. Mesmo com crédito caro, os consumidores saíram às compras. Estariam antecipando novos surtos inflacionários? Por outro lado, as falências e concordatas aumentaram respectivamente 45% e 105% em relação a abril. E os investimentos públicos e privados em capital fixo continuam paralisados.


Os indicadores de preços também estão confusos e começam a mostrar tendências excessivamente divergentes. De abril para maio, o IPC-r aumentou de 1,92% para 2,57%. Já o IGP-M da Fundação Getúlio Vargas mostrou queda surpreendente de 2,10% para 0,58%.


Para agravar essas incertezas, afloram os conflitos internos na condução da política econômica, como ficou evidenciado pela saída do presidente do Banco Central. A estrada ainda está livre e desimpedida para a consolidação do sucesso do Plano Real, mas não se sabe por quanto mais tempo. Que o governo não deslize para o imobilismo frente às dificuldades que inevitavelmente surgirão no horizonte e que não permita a confirmação do dito popular, "por fora bela viola, por dentro pão bolorento".


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 49, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), é vereador da cidade de São Paulo pelo PL e professor titular da Fundação Getúlio Vargas (SP). Foi secretário do Planejamento e de Privatização e Parceria do Município de São Paulo (administração Paulo Maluf).

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