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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Administrando a recessão

A equipe econômica tem uma característica no mínimo intrigante. E competente na gestão dos problemas de curto prazo. Mas não consegue esconder suas enormes deficiências nas questões estruturais, de longo prazo.

Em geral, o que se observa ao longo dos últimos quatorze meses de Plano Real é uma permanente situação de crises emergentes, mas que as autoridades econômicas sempre conseguem circunscrever através de habilidosas combinações de políticas econômicas de curto prazo.

Por outro lado, o governo Fernando Henrique Cardosos mostra-se cada vez mais incapacitado para interferir nas questões de fundo, nas reformas institucionais, ainda que sempre as coloque com prioridade em sua agenda estratégica.

A primeira evidência desta curiosa assimetria pode ser constatada pela incapacidade da atual equipe econômica -- então no governo Itamar Franco -- em conduzir a reforma constitucional iniciada no final de 1993. Apesar do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, haver divulgado que as bases de seu plano de estabilização estariam assentadas nas reformas estruturais que definiu de forma precisa naquela ocasião--, o governo e a opinião pública se enroscaram nas questões políticas do período eleitoral que se aproximava, e nos suculentos resultados das CPI's do orçamento, que, na época, monopolizavam as atenções dos meios de comunicação.

No final, a primeira fase do Plano Real, que seria a implementação de importantes reformas estruturais, acabou não acontecendo, deixando capenga a estratégia de estabilização iniciada com a criação da URV em março do ano passado.

Mas esta grande falha no atacado foi compensada por acertos no varejo.

A superindexação da economia foi executada com maestria pelo governo, que soube executar, em estágios sucessivos, a criação da moeda perfeitamente indexada. As autoridades econômicas merecem elogios pela condução deste importante estágio no plano de estabilização, e criaram condições propícias para a troca da moeda e para a derrocada da inflação inercial, em julho de 1994. Apesar das dificuldades inerentes nesta estratégia, o governo não recorreu a casuísmos como tablitas, regras de conversão, ou congelamentos de preços. Um verdadeiro sucesso no corpo-a-corpo da implantação da nova moeda, o real.

No entanto, outro erro estrutural veio a galope. O governo foi complacente com a esperada tendência de valorização do real, que chegou a valer US$ 1,22. Os efeitos da desinflação e das altas taxas internas de juros causaram grandes influxos de recursos externos, derrubando a cotação do dólar, e gerando, conjuntamente com os efeitos de uma exagerada pressa na abertura da economia ao exterior, inevitáveis ameaças de forte crise cambial.

Mas a equipe econômica tem sido habilidosa em executar as faxinas necessárias para limpar os detritos deixados pela festança da noite anterior. A criação das faixas cambiais, a administração dos fluxos de capitais externos, e os ajustes tarifários, foram feitos com presteza, e em julho, pela primeira vez desde outubro do ano passado, a balança comercial mostrou-se equilibrada.

A equipe econômica, mais uma vez, fez seu trabalho de formiguinha com eficiência, desvalorizou o real em cerca de 15% ao longo dos últimos meses, e desarmou a bomba cambial que ameaçava explodir, sem gerar pressões inflacionárias que pudessem comprometer a relativa estabilidade conquistada pelo real.

Mas perduram as dificuldades nas grandes decisões estratégicas. O governo mostra enorme fragilidade em suas bases de sustentação.

Apesar do discurso liberal e modernizante de seus parceiros políticos, a realidade aponta em direção contrária. As reformas estruturais como a tributária, a previdenciária e a administrativa do setor público estão totalmente emperradas. As unanimidades, ou maiorias congressuais, emergem apenas nas questões menos polêmicas, quando não afetam interesses corporativistas ou regionais. A privatização se arrasta, e apesar do enorme aumento da carga tributária, o governo ainda continua gerando déficits.

A humilhação sofrida pelo governo no caso do Banco Econômico é exemplar, e mostra as dificuldades que terão de ser enfrentadas se o presidente da República tiver o firme intento de consolidar o Plano Real através das reformas que foram anunciadas.

Em realidade, sob o aspecto institucional, nada mudou na economia brasileira ao longo dos últimos anos. Vem a inevitável indagação: até quando o Plano Real aguenta?

O curioso, é que apesar deste quadro desanimador, o Plano Real ainda consegue se sustentar. A inflação testa ultrapassar o patamar de 4% mensais, mas não consegue. A crise cambial foi superada. Os juros começam a ser reduzidos pelo governo. A recessão, que no segundo trimestre de 1995 implicou queda de quase 4% no PIB relativamente ao trimestre anterior, mostra tendência de reversão, segundo dados do setor industrial paulista. Em outras palavras, apesar do pano de fundo negro, a equipe econômica consegue manter condições razoáveis de sobrevivência econômica, evitando a derrocada do real.

A única justificativa para a sustentação deste quadro contraditório é o controle que o governo pode exercer sobre os níveis de demanda agregada. Para conter a reinflação só lhe resta administrar a recessão.

Sem as mudanças institucionais, que permitiriam compatibilizar de forma definitiva a estabilidade com o crescimento econômico, o governo não conseguirá fugir do drama de ser obrigado a escolher entre crescimento e inflação. O fantasma da curva de Philips obrigará a equipe econômica a praticar exercícios intermitentes de tensão e relaxamento.

Enquanto as reformas estruturais não forem capazes de criar um ambiente propício a investimentos na formação de capacidade produtiva, o nível de atividade econômica flutuará entre a recessão, politicamente indigesta, e os tetos de produção fixados pelos atuais níveis de capacidade instalada.

A política do "stop and go t'' é inevitável. A continuidade do Plano Real depende da habilidade do governo no manejo de instrumentos de política econômica conjunturais- que não são muitos, e em sua capacidade de resistência às pressões políticas e sociais que advirão da recessão que deverá administrar.

 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).

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