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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A 'Real Inquisição'


A Santa Inquisição perseguia hereges que não concordavam com princípios da Igreja. A "Real Inquisição" faz o mesmo com economistas que criticam a política econômica. O Real passa por uma fase difícil. Os indicadores apontam para um surto de reinflação. A balança comercial mostra-se precariamente superavitária e os fluxos financeiros externos são voláteis. O claudicante nível de atividade econômica causa insatisfação social. Nesse cenário, é até desejável que surjam críticas e sugestões. Tais comentários, no entanto, são interpretados por alguns como um complô para a retomada da inflação. Mailson da Nóbrega revela, em artigo na Folha, na última sexta-feira, a existência de uma "coalizão inflacionária" para destruir o Plano Real. A estabilidade exige equilíbrio externo e interno. Trata-se de meta árdua de atingir, com reformas estruturais. Como disse Delfim Netto, esse é o caminho difícil para o sucesso. Infelizmente não foi, ainda, a trilha escolhida pelo governo. O congelamento foi tentado várias vezes, em vão. Agora, busca-se outro caminho fácil: fixar a taxa de câmbio. Essa estratégia é funcional em economias com alto coeficiente de abertura. Mas em casos como o Brasil, com forte presença de bens não-comercializáveis, os custos são altos. Elevar as taxas de juros e conter a demanda interna têm efeitos colaterais indesejáveis. Os hereges que Mailson quer condenar às fogueiras (já chamados de "coveiros do real" pela revista "Exame") defendem as medidas estruturais capazes de manter a estabilidade, com baixos custos sociais. Acreditam ser possível compatibilizar estabilidade com crescimento, desde que o governo abdique de expedientes e remendos de curto prazo e se torne mais operoso na busca do equilíbrio estrutural interno e externo. Na Idade Média, os líderes inquisidores buscavam na catarse persecutória o perdão pelos pecados que eles mesmos já haviam cometido. Da mesma forma, alguns dos grandes inquisidores de hoje são os que, no passado, já acenderam, com enorme eficiência, as labaredas da inflação.

 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA)



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