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  • Marcos Cintra - O Estado de S. Paulo

O Imposto Único pode pôr fim à sonegação

O Estado publicou, no dia 19, o artigo "Problemas que o Imposto Único pode trazer" de Itamar Zonaro. Inicialmente, o autor revela preconceito em relação à minha proposta de um único imposto, que só se justifica pelo interesse corporativo que os consultores tributários, como ele, não conseguem disfarçar quando abordam o tema da reforma tributária. Afinal, sua grossa clientela só existe enquanto continuar vítima das armadilhas que o sistema atual coloca no caminho da vida fiscal do cidadão.


Ao afirmar que somente ao caótico e cruel ambiente fiscal que impera no País deve-se a difusão do Imposto Único, Zonaro fica na nebulosa e contraditória posição de que, por interesse, ataca e, ao mesmo tempo, defende uma situação tributária anômala. Ataca-a porque ela cria a oportunidade para que surjam ideias novas, criativas, e, sobretudo, sérias; e defende-a porque propostas novas, criativas e, sobretudo sérias, podem pôr fim à fonte de seu sustento.


No mais, fica no lugar comum da monótona repetição de argumentos já amplamente utilizados, e tecnicamente respondidos, sem trazer nada de novo ao debate, numa postura típica de quem não conhece a proposta do Imposto Único, a literatura técnica que lhe dá respaldo, e todo o intenso debate que suscitou.


O primeiro equívoco contido naquele texto foi a afirmação de que o Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira (IPMF) foi uma criação dos defensores do Imposto Único, quando, na realidade, foi o primeiro e inescrupuloso desvirtuamento que ele sofreu, perpetrado pelos oportunistas de plantão no governo, que perceberam nele uma fonte eficaz de recursos para engordar suas receitas.


Mas não há como negar que foi uma experiência bem-sucedida, apesar de ser um plágio deformado da ideia-mãe. Tanto que, frequentemente, cogita-se sua volta, como solução pronta e certa para tapar os buracos orçamentários do governo.


Mas vamos às considerações do autor sobre pontos que pinçou de diversos artigos publicados sobre o tema, provando que não se preocupou em conhecer a proposta básica que gerou o debate. A primeira diz respeito à universalidade do Imposto Único, que condena por tratar igualmente situações desiguais. De fato, igualdade não quer dizer justiça. Só que o Imposto Único é proporcional e não progressivo. A alíquota é uma só. Mas quem movimentar mais recursos no sistema financeiro pagará mais. Então, não há como negar que está inteiramente resguardado o princípio de que pessoas desiguais devem ter tratamento desigual.


Depois, afirma que o caráter universal acabaria por gravar bens e serviços consumidos pelas classes de baixa renda, punindo-as. Ora, este é um argumento sobre o óbvio. Pois todo mundo sabe que os impostos indiretos incidentes sobre bens e serviços básicos, como o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), etc., sempre penalizaram as classes menos favorecidas. Não é privilégio do Imposto Único.


Outra pinçada diz que os trabalhos de fiscalização e controle, reféns de instituições financeiras com milhares de agências processando, diariamente, milhões de operações, dominariam o sistema que adotasse a unicidade tributária. Esta é a mais cabal confissão de ignorância. Não mais apenas do que seja o Imposto Único, mas dos recursos da informática que, velozmente, vai permeando todo tipo de atividade em nível mundial. No Brasil, em particular, seu grande avanço se deu no sistema bancário, um dos mais informatizados do mundo. A fiscalização, assim, ficaria reduzida à auditoria do programa rodado nos Centros de Processamento de Dados do sistema financeiro. O principal foco de atenção dos fiscais seria direcionado para o uso dos recursos recolhidos pelos três planos de governo em que a fiscalização, mais necessária, poderia tornar-se mais intensa.


Quanto ao fim da corrupção, com a extinção da sonegação de impostos e do suborno de agentes fiscais, ficou provado pela experiência do IPMF que o Imposto Único é impossível de ser sonegado. É uma evidência concreta, que só pode ser ignorada por conveniência ou usada como capa a falsos argumentos. De outro lado, o fim dos impostos declaratórios, grande fonte de manipulação para sonegação e evasão fiscal, em nada impedirá a verificação de aumento de patrimônio de origem duvidosa. Este, bem como o combate a operações de lavagem de dinheiro sujo (quem pode afirmar que elas não existem na estrutura atual?), é trabalho para a polícia. Só que, com o advento do Imposto Único, um Estado com uma estrutura mais enxuta e ágil poderia dispor de uma força policial bem preparada, aparelhada e remunerada para a realização desse trabalho. Depois, não se pode confundir a atividade de fiscalização tributária com a atividade policial.


As previsões catastróficas de Zonaro, inferno fiscal e problemas semelhantes, só podem ser fruto da desinformação sobre recursos técnicos, como simulações matemáticas sobre potencial de arrecadação, a colocação em prática, de forma experimental, do Imposto Único, antes da extinção do malfadado sistema tributário atual - tudo explicado, exaustivamente, na proposta original consolidada, inclusive em resposta às críticas contidas nos artigos que ele diz ter analisado.


O consultor-articulista defende "uma reforma abrangente que reduza o número de impostos, simplifique o sistema e reduza a carga tributária, promovendo a justiça fiscal, aumentando a base de contribuintes e eliminando a sonegação com o aperfeiçoamento do sistema de arrecadação e fiscalização". Tudo genericamente, sem uma proposta concreta. O Imposto Único poderá fazer tudo isto. É uma proposta concreta. Mas tem a desvantagem de deixar desempregada uma legião de consultores tributários e outros segmentos, fora e dentro dos governos, que vivem às custas das mazelas que o atual sistema tributário impõe ao contribuinte.



Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), professor titular e ex-diretor da Fundação Getulio Vargas.

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