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  • Marcos Cintra - Diário do Comércio

Administrando perdas

Aconteceu tudo o que se previra e poderia ter sido evitado — a repentina, tumultuada e desmedida desvalorização cambial. O tumor extirpado é o lado positivo desse episódio. Agora, se o governo abandonar sua arrogância e acolher soluções novas, pode-se ter uma luz no fim do túnel. A ilusão do real forte teve resultados imediatos extasiantes.


A economia cresceu por quase três anos (1995-1997). O governo capitalizou, colhendo grandes vitórias político-eleitorais. Ganhos fugazes. Na esteira da euforia da estabilidade, os juros foram ao espaço, o desemprego atingiu a todos — classes, profissões, setores; a dívida pública e das empresas explodiu. Chegou a hora de pagar a conta.


Três condições precisam ser satisfeitas nos meses à frente para que a desvalorização do real venha a valer a pena. A primeira: os preços dos produtos comercializados com o exterior deverão subir em relação aos produtos exclusivamente internos. Ou seja, combustíveis, trigo, equipamentos e matérias-primas importados, café, semimanufaturados de exportação, turismo internacional, etc. precisarão ter seus preços em reais aumentados, assim como os produtos brasileiros exportados deverão custar mais para o consumidor doméstico.


A segunda condição, por conseguinte, é que a relação salário/câmbio terá de evoluir contra os assalariados brasileiros. Isto é, os salários internos precisarão comprar menos do que antes. E a terceira é que a mudança nos preços relativos e seus reflexos na renda e na riqueza dos diferentes agentes econômicos e sociais terão de ser absorvidos sem gerar conflitos distributivos entre capital e trabalho, entre bens transacionados no mercado internacional e os de uso exclusivamente internos, ou entre o governo e o setor privado. Se cada agente tentar recuperar perdas com elevação de seus preços ou de sua renda, acionará os mecanismos de indexação e a volta da espiral inflacionária.


Um surto de aumento de preços não é inflação. Se ocorrer de uma só vez ("once and for all"), o aumento no nível de preços terá apenas um surto, caindo em seguida, sem persistir. Neste caso, a desvalorização do real terá surtido o efeito desejado — o balanço de comércio tenderá ao equilíbrio, os juros poderão ser reduzidos, o déficit público cairá sensivelmente. Então, a economia poderá voltar a crescer. Há uma luz no fim do túnel. Pode ser um trem em sentido contrário. Mas se o governo souber manejar seus instrumentos, trabalhadores e empresários aceitarem as perdas que couberem a cada um, provavelmente será a saída do sufoco.


Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, economista, é deputado federal pelo PL-SP.

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