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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Contra a “crescimentofobia”

O renomado e polêmico economista norte-americano Paul Krugman fez, recentemente, uma curiosa indagação: por que os atuais formuladores de política econômica em todo o mundo estão ignorando as lições de Keynes? As maiores contribuições dos economistas à humanidade foram a revelação (pelos clássicos, capitaneados por Adam Smith) das virtudes da "mão invisível", postulando o funcionamento dos mercados da forma mais livre possível (restringindo-se essa liberdade só em casos de monopólios e de produção de bens públicos), e a descoberta dos meios de controle do ciclo econômico, formalizada por Keynes, que mostrou que a instabilidade das economias capitalistas pode e deve ser combatida, para garantir um crescimento constante. As prescrições de política econômica feitas pelos organismos internacionais e acatadas pelos governos em quase todo o mundo, inclusive no Brasil, revelam que as lições keynesianas foram esquecidas. Não há outra forma de explicar a profunda recessão provocada pelas políticas econômicas adotadas nos países asiáticos e latino-americanos. A defesa de políticas fiscais e monetárias restritivas não se coaduna com o quadro de miséria que elas geram nas economias que estão passando por esse ajuste "neoconvencional". Não se trata só de indignação causada por razões humanitárias, devido à destruição, ao desperdício de recursos e às vidas arruinadas nos países que adotaram essa política (como o Brasil). Trata-se de recusar terapias equivocadas, como parece ser o caso revelado pelo surto de "crescimentofobia" que acometeu quase todo o mundo. Os economistas têm medo de crescer, desconfiam do desenvolvimento econômico e se entregam ao ranço puritano que faz acreditar que não há salvação senão pelo sofrimento e pela recessão. A crise brasileira exige respostas imediatas contra a perda de confiança da comunidade financeira internacional. A caótica desvalorização do real e a ameaça de recidiva inflacionária deixaram todos os agentes econômicos, internos e externos, de cabelos em pé. A desvalorização certamente contribuirá para solucionar a crise no balanço de pagamentos, causada pela evolução das contas comerciais com o exterior (que passaram, em poucos anos, de um superávit anual de US$ 10 bilhões para um déficit de US$ 6 bilhões). Mas, se o estrangulamento externo parece estar sendo encaminhado pela flutuação cambial, resta a angustiante questão do déficit fiscal, que precisa urgentemente ser reduzido. A política macroeconômica anunciada pelo governo segue a prescrição da "crescimentofobia": aumentar impostos e juros. Mas, como indagou Krugman referindo-se ao Brasil, desde quando um déficit orçamentário precisa de uma recessão (que, por si só, dificulta ainda mais sua redução)? Se o ajuste fiscal é importante para combater as expectativas inflacionistas e o pessimismo dos investidores externos, não seria mais eficiente uma política anticíclica de redução de impostos e juros? Não seria mais razoável supor que, mantido o nível de gastos públicos (já cortados até o limite do suportável), o ajuste seja feito pela expansão da arrecadação tributária, oriunda da retomada do crescimento econômico? A carga tributária brasileira é alta e de péssimo padrão de incidência. A elevação dos impostos vai sobrecarregar a economia formal, estimulando o crescimento da informal e a sonegação. O governo deveria, ao contrário, aliviar a carga tributária sobre os atuais contribuintes; com isso, colaboraria para reduzir custos de produção e estimular o emprego e o consumo, pelo aumento da renda disponível. Como contrapeso, poderia ainda aumentar suas receitas pela reativação da economia, como aliás fica implícito no recente acordo de redução de tributos com a indústria automobilística. Se esses efeitos positivos valem para aquela indústria, por que não valeriam para todos os demais setores da produção? Quanto aos juros, a cada ponto percentual de aumento, o governo incrementa seus gastos correntes em cerca de R$ 2 bilhões (considerando que 70% da dívida mobiliária interna, de R$ 320 bilhões, esteja pós-indexada aos juros). Aumentar juros para defender o real e controlar a inflação é uma política suicida. Sinaliza para o investidor externo que o equilíbrio orçamentário fica mais difícil, com maiores riscos de inflação e desvalorização no futuro. Para os agentes econômicos internos, sinaliza que a economia continuará caindo no abismo da recessão e do desemprego. A âncora de credibilidade que o governo precisa criar está no dinamismo e no potencial do mercado interno brasileiro. Para restaurar o apoio político à estabilização da economia, o governo brasileiro tem de inverter sua política recessionista. O Brasil precisa deixar de tentar atrair os capitais externos com juros altos; deve, em vez disso, basear-se no crescimento econômico, na geração de lucros de produção e na expectativa de futura valorização do real. O Brasil já fez um forte ajuste fiscal, a ponto de o déficit primário (receitas menos despesas, excluindo o serviço da dívida) já estar praticamente eliminado. Mas seu déficit nominal supera 8% do PIB -e esse péssimo resultado deve ser atribuído aos juros absurdos que o Brasil oferece para a rolagem de sua dívida (não tanto ao seu volume, embora ele tenha crescido mais de 400% em quatro anos). Em 1998, o déficit fiscal nominal foi de cerca de R$ 70 bilhões, mesmo valor dos juros da dívida. Feito esse enorme sacrifício, a sociedade brasileira precisa colher os benefícios do ajuste, com a mudança do quadro de recessão e desemprego. A enorme capacidade ociosa instalada e a baixa inflação dos últimos anos dão razoável margem de segurança para que se retome o crescimento sem grandes riscos de volta da espiral inflacionária.

 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).


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