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  • Marcos Cintra - Valor Econômico

Sonegação e a paranoia anticascata no Brasil


O presidente FHC declarou recentemente que vai colocar a reforma tributária na pauta do Congresso ainda no primeiro semestre. Incluí-la para debate será um compromisso fácil de ser cumprido. O difícil, senão o impossível, será aprovar uma ampla reforma tributária, capaz de aperfeiçoar o sistema de arrecadação de impostos no país. Para viabilizar a reforma, o governo já anunciou que adotará uma abordagem “fatiada”, ou seja, as alterações serão feitas por partes, e se for possível, por meio de legislação ordinária. Essa abordagem tem dois problemas fundamentais: Primeiramente, a tributação é um sistema integrado, formado por partes que se interligam e se afetam mutuamente. Modificar uma parte, sem as adaptações nos outros componentes do sistema, poderá criar um Frankenstein tributário ainda mais deformado que o nosso atual monstrengo. Aliás, esta foi a forma como o sistema tributário brasileiro evoluiu ao longo dos últimos anos, casuisticamente, e o resultado destas intervenções isoladas e parciais, é a atual colcha de retalhos, incompreensível, e que impede avaliar corretamente seus impactos e conseqüências na atividade econômica do país. O segundo problema da abordagem fatiada é que a falta de visão do conjunto poderá direcionar erroneamente os esforços reformistas. Por razões várias, dentre as quais o empenho da burocracia pública, e de seus aliados e correspondentes no setor privado, criou-se uma verdadeira paranóia anti-cascata. Esta campanha, cuidadosamente orquestrada, coincide com o interesse velado dos sonegadores, já que a CPMF, o Pis e o Cofins, tributos cumulativos que atraem a sua ira, são, coincidentemente, os mais difíceis de serem sonegados. Na defesa de seus interesses corporativos e pessoais, esses grupos lograram convencer os formadores de opinião que a prioridade na reforma tributária deve ser a extinção da cascata tributária. Sintomático deste equívoco, é uma recente pesquisa efetuada pela Confederação Nacional da Indústria que mostrou que 88% dos empresários pesquisados apontaram a excessiva carga de impostos, que poderá chegar a cerca de 35% do PIB em 2001, como a mais indesejável característica do atual sistema tributário. Nesse sentido, é surpreendente que os empresários defendam a não-cumulatividade, em vez de defenderem a redução das alíquotas. Há que lembrar que o verdadeiro calcanhar de Aquiles do atual sistema de arrecadação de impostos no Brasil é a sonegação generalizada, que aprofunda as distorções existentes na economia do país. A CPMF corrige esta falha. A CPMF, o Imposto sobre Movimentação Financeira (IMF), ou o Imposto Único sobre Transações (IUT) como era originalmente conhecido, é um tributo de grande eficácia arrecadatória. Este tributo deixa um saldo amplamente favorável quando se pesam suas vantagens e desvantagens. É desnecessário enfatizar suas virtudes. Basta considerar que com alíquotas de apenas 0,38% (0,30% durante os últimos meses do ano), e praticamente sem custos para o governo, arrecadou no ano passado R$ 14,5 bilhões. Impostos de alta complexidade e elevados custos operacionais como o IPI e o Imposto de Renda das Empresas geraram receitas de apenas R$ 18,8 bilhões e R$ 17,6 bilhões, respectivamente. Ademais a CPMF é universal, insonegável, e alcança todos os agentes econômicos, eliminando a iniqüidade dos impostos declaratórios que permitem que alguns contribuintes sejam fortemente onerados, ao passo que os sonegadores e os espertos tenham cargas tributárias individuais sensivelmente mais baixas. A objeção mais comum à CPMF se refere ao impacto prejudicial da cumulatividade nos mercados financeiros e no comércio exterior. Essa crítica é vazia. Nada há que, tecnicamente, impeça o governo de desonerar as exportações, de onerar as importações em igualdade de condições com a produção nacional, e de isentar os mercados financeiros, como, aliás, já foi feito parcialmente. O ministro Alcides Tápias vem fazendo um grande esforço para criar mecanismos mais aperfeiçoados para desonerar as exportações, e impor uma Contribuição de Equalização Econômica sobre os produtos importados, com a finalidade de extirpar a brutal discriminação contra a produção nacional. Cumpre apontar que é tecnicamente possível se computar, com o desejado grau de detalhamento, o impacto no preço final de uma mercadoria causado pela cobrança de tributos cumulativos ao longo da cadeia de produção. A CPMF tem um mérito inegável, convenientemente ignorado por vários de seus críticos: o de eliminar do atual sistema tributário sua maior aberração, qual seja, as diferenças artificiais de custos de produção causadas pela ampla e generalizada sonegação de impostos no país. A forma pela qual a evasão de impostos distribui a atual carga tributária implica distorção econômica mais grave do que a alegada alteração nos preços relativos que um turnover tax, como a CPMF, poderia estar causando na economia brasileira. O padrão de incidência tributária atual é caótico, imprevisível, devastador, a ponto de poder fazer quebrar uma empresa eficiente que paga impostos, e de fazer sobreviver uma ineficiente, que sonega e saqueia seus concorrentes. A CPMF neutraliza esta anomalia. O presidente FHC precisa, certamente, avançar na reforma tributária. Mas precisa se libertar dos preconceitos e das frases feitas. Os tributos não-declaratórios, como a CPMF, são contribuições importantes para a adequação do vetusto sistema tributário nacional às novas tendências da economia mundial. Tudo mudou no mundo global e informatizado, e não se deve imaginar que os impostos convencionais e ortodoxos gerados na era do papel, dos livros contábeis, das barreiras físicas de transporte e comunicação, do isolacionismo econômico, e da fragmentação política, serão capazes de evitar a generalizada evasão tributária e suas dramáticas conseqüências que surgiram, e se aprofundarão, na esteira deste absurdo conservadorismo tributário.

 

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