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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A mina que Marta ainda não descobriu

São Paulo quebrou? A cidade foi destruída pela ruinosa administração Pitta. Tudo está por fazer. O drama é que não há recursos, pelo menos das fontes tradicionais. A cidade convive com um enorme descompasso entre as suas demandas e a disponibilidade de recursos para atendê-las. A sua dívida total, cinco anos atrás, equivalia a um ano de Orçamento. Hoje, há um passivo igual a dois anos de Orçamento. A cidade conta com uma receita de R$ 8 bilhões e com uma dívida total de R$ 16 bilhões. A renegociação de uma parte da dívida -da ordem de R$ 10,5 bilhões-, realizada em 2000, impôs condições rígidas aos cofres municipais. Neste ano, estão previstos pagamentos de mais de R$ 900 milhões. Em 2002, essas despesas serão de cerca de R$ 3 bilhões, referentes aos 13% das receitas líquidas mais a amortização de 20% da dívida renegociada. O que fazer? Há uma alternativa, uma mina de ouro que Maluf não quis explorar, Pitta nem soube de sua existência e Marta ainda não descobriu. É o Cepac (Certificado de Potencial Adicional de Construção). Quando fui vereador em São Paulo, entre 1993 e 1996, apresentei o projeto de lei nº 259/ 94, que criava o Cepac. Ele foi aprovado pela Câmara Municipal em 1995 e hoje é lei. É possível que o desinteresse dos últimos prefeitos pelo Cepac advenha das contestações judiciais que foram apresentadas. O Cepac permaneceu "sub judice" em função de ações do PT -se não me falha a memória, patrocinadas pelo atual presidente da Câmara de Vereadores, José Eduardo Martins Cardozo, que se mostrava avesso a propostas inovadoras e criativas. Argumenta-se que o Cepac fugiria do direito administrativo, que seu trâmite fora ilegal e que sua implementação seria um desastre urbanístico. A verdade é que esses argumentos não se sustentam. A fragilidade dos argumentos do PT foi comprovada pela decisão da Justiça que derrubou as ações contra o Cepac. O conceito é simples. Investimentos municipais são tradicionalmente financiados por arrecadação de impostos ou por empréstimos, internos e externos. Essas fontes estão esgotadas e inviabilizadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. A proposta do Cepac poderia ser um novo paradigma de financiamento público em situação de grave escassez de recursos, como ocorre atualmente no país. O Cepac é a concessão onerosa de direitos de construir acima dos limites definidos na Lei de Zoneamento, sendo que essa alteração seria autorizada apenas após a avaliação técnica da prefeitura. E isso dentro de operações urbanas ou de desfavelamento e de recuperação de cortiços previamente aprovadas pelo Legislativo. Essas avaliações definiriam as zonas com potencial de adensamento na cidade e, em contrapartida, títulos seriam emitidos e leiloados. O resgate ocorreria quando da construção do adicional autorizado pelo Legislativo. O empreendedor interessado em se beneficiar dos novos direitos de construção poderia fazê-lo pagando à prefeitura, que obteria, assim, recursos não-tributários e sem impacto em seu passivo oneroso. Não se trata de dívida, não é empréstimo e não há juros, valor de face ou data de vencimento. São recursos significativos, obtidos sem ônus financeiro para a cidade. Trata-se, simplesmente, da securitização do direito de construir. O Cepac poderia ser usado ainda de forma compensatória nos casos de tombamento, de restauração de imóveis e de doações de terrenos para titulação e regularização fundiária. Essa é uma característica que confere a esse instrumento um fator de melhoria no planejamento da cidade, com forte componente social. A proposta se justifica mediante uma dupla constatação. Primeiro, não há margem para o poder público elevar a carga de tributos ou ampliar o grau de endividamento da cidade. Segundo, os investimentos governamentais são bancados por toda a sociedade, por meio de impostos, mas o setor privado, especificamente os proprietários de terrenos, é o maior -talvez o único- beneficiário desses gastos. O modelo tradicional de financiamento dos investimentos urbanos socializa os custos e privatiza os benefícios. Daí a justificativa da cobrança dos direitos adicionais de construção. Impressiona o fato de o Cepac, com o seu enorme potencial de levantamento de recursos, não ter sido utilizado pelas últimas gestões. Hoje, o PT reclama que não tem dinheiro para os seus projetos em São Paulo, mas não parece ter interesse em se utilizar desse instrumento inovador. Parece que Maluf e Pitta não entenderam o funcionamento do mecanismo. Se eles tivessem entendido a lógica do Cepac, certamente a cidade não estaria vivenciando uma situação financeira tão crítica. A atual prefeita, se conhecesse o instrumento, estaria agindo para que o Cepac pudesse gerar recursos para os seus projetos. Uma cidade como São Paulo mostra possuir todas as condições para gerar um enorme mercado de Cepacs. Tem potencial de crescimento, tem dinamismo e tem um empresariado imobiliário moderno e atuante.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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