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  • Marcos Cintra

Um exercício de sobrevivência


Deputado federal (PFL-SP), doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor-titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

Vamos fazer um teste, simples e intuitivo.

Questão 1: Qual será o resultado na arrecadação de impostos no Brasil se ocorrerem os seguintes fatos:

  1. aumento de alíquotas e criação de novos tributos;

  2. criação de novos instrumentos de fiscalização;

  3. sutorização para os fiscais quebrarem o sigilo bancário dos contribuintes;

  4. o início de vigência de legislação que proíbe a geração de déficits orçamentários, e que obriga Estados e municípios a cobrarem todos os impostos de sua competência.

Resposta: A carga tributária aumentará.

Questão 2: Um país como o Brasil, com renda per capita de cerca de US$ 5.000 anuais, suporta impunemente uma elevação de sua carga tributária, além dos atuais 33% do PIB?

Resposta: Não há exemplos de países com renda per capita semelhante à brasileira que tribute tão pesadamente seus contribuintes, e que seja capaz de manter a competitividade de sua produção frente a seus concorrentes nos mercados globais mundiais. Seria uma política de empobrecimento, e não de geração de renda e de riqueza.

Questão 3: Se os fatos descritos na pergunta 1 de fato ocorrerem, o que acontecerá no Brasil?

Resposta: A elevação dos impostos estimulará a sonegação e a evasão, que seriam as saídas para a sobrevivência das empresas e para a manutenção do padrão de vida das pessoas físicas. Contudo, os novos instrumentos de fiscalização implicam riscos e custos mais altos para os sonegadores, que acabariam tendo de suportar uma carga tributária mais alta. Para que a economia não entre numa trajetória recessiva, torna-se necessária uma imediata redução das alíquotas nominais dos tributos para evitar uma taxa de extração excessivamente alta.

Este é um exercício de realismo, e mostra o que poderá acontecer dada a trajetória que vem sendo seguida no país.

Os impostos estão sendo aumentados (como, por exemplo, o aumento da CPMF para suprir o Fundo de Combate à Pobreza, a elevação das alíquotas do ITCM, imposto sobre transmissão e doações, como ocorrido em São Paulo recentemente, e o congelamento da tabela do Imposto de Renda, que já dura seis anos); os instrumentos de fiscalização estão sendo aperfeiçoados (houve alteração do Código Tributário Nacional para criar a norma anti-elisão, e concedeu-se permissão para cruzamentos dos dados da CPMF com os de outros tributos); o Senado deu poderes ao fisco para quebrar o sigilo bancário dos contribuintes; e a Lei de Responsabilidade Fiscal imporá restrições orçamentárias fortes sobre Estados e municípios, não lhes deixando outra alternativa que a cobrança de todos os impostos e taxas que a Constituição lhes garante.

E desse modo, o sistema tributário brasileiro, que já vai de mal a pior, ameaça tornar-se insustentável.

A reforma tributária não foi feita, e a fiscalização ganha instrumentos cada vez mais eficazes para coibir a sonegação e a evasão. O resultado é inevitável: a arrecadação sobe mais e mais, e a carga tributária brasileira poderá alcançar em 2001 cerca de 35% do PIB, um desatino econômico sem precedentes, e que aprofundará o desarranjo institucional e a iniqüidade da economia brasileira.

A reforma tributária não foi feita por absoluta inexistência de um projeto ousado, capaz de galvanizar apoio político e de empolgar a sociedade brasileira. Sem isso, não há como avançar em um tema tão complexo, como a alteração no sistema de arrecadação de impostos.

Enquanto a sociedade clama por um sistema mais simples, mais transparente e, sobretudo, capaz de minimizar a sonegação e a evasão, a Câmara dos Deputados produziu uma proposta conservadora, ortodoxa, que agrava os males do atual sistema tributário brasileiro. Basta dizer que a última proposta, informal, da Comissão Especial de Reforma Tributária, propõe a elevação das alíquotas dos impostos existentes, e a criação de mais de uma dezena de novos encargos para serem suportados pelo contribuinte. Não causa surpresa, portanto, que não tenha encontrado respaldo e apoio para ser sequer votada na Comissão Especial de Reforma Tributária.

Ao mesmo tempo, aprovam-se projetos que aumentam os impostos, como a criação do Fundo de Combate à Pobreza, ou a elevação das alíquotas dos impostos sobre transmissão de doações, como ocorreu em São Paulo.

Por outro lado, o fisco caminha celeremente no sentido de aperfeiçoar os mecanismos de controle de fiscalização. A informática vem sendo instrumento de maior precisão no cruzamento de informações fiscais, e consequentemente, de combate à sonegação. A Lei de Responsabilidade Fiscal imporá a necessidade de maior eficiência na arrecadação de impostos nos Estados e nos municípios brasileiros. A aprovação da norma anti-elisão e a quebra do sigilo bancário reduzirá a sonegação de impostos, mas por outro lado, significará maior carga tributária, a elevação do custoBrasil, e a perda de competitividade da produção nacional.

Cumpre apontar a polêmica do sigilo fiscal e bancário.

Seria imoral se o Congresso tivesse se recusado a conceder à Secretaria da Receita Federal os instrumentos necessários para coibir o avanço dos sonegadores. A autorização para que a Receita Federal faça os cruzamentos entre os valores informados da arrecadação da CPMF e dos demais tributos apenas corrige uma inexplicável falha na legislação anterior, qual seja, a proibição que impedia o fiscal de fiscalizar. A Receita Federal identificou 5891 pessoas físicas que declaram-se isentos do Imposto de Renda, mas que movimentaram mais de um milhão de reais em suas contas bancárias. Desse contingente, sessenta e duas pessoas movimentaram mais de R$ 10 milhões no ano. Cerca de 500 empresas isentas, movimentaram entre dez e cem milhões de reais em suas contas bancárias. Era um escárnio, onde o fisco sabia das irregularidades, mas não tinha permissão para usar esses dados para sequer averiguar o potencial sonegador.

Se, do ponto de vista da justiça tributária, o aperto da fiscalização não pode ser criticado, por outro ele torna cada vez mais dramática a necessidade de uma urgente e radical mudança no modelo tributário brasileiro. Afinal, a maior intensidade de fiscalização vem ocorrendo sem qualquer ajuste nas alíquotas nominais dos impostos. Em uma sociedade como a nossa, onde a sonegação e a evasão serviam como instrumentos de defesa do contribuinte contra a sanha fiscalista do governo, o bloqueio crescente destas rotas de fuga significará uma dramática elevação da carga tributária.

De fato, os dados da Receita Federal mostram que em janeiro a arrecadação superou em 1 ,54% a de dezembro, um fenômeno inédito já que o nível de atividade económica sempre nos cai nos primeiros meses do ano. Vale registrar que o aumento na arrecadação foi maior nos tributos que sabidamente são mais sujeitos às mais variadas formas de evasão, como o imposto de renda das empresas e a contribuição sobre o lucro líquido, cuja arrecadação aumentou em 19,63% e 22,33% respectivamente.

A economia não suportará impunemente esta elevação da carga tributária. Não dá para continuar esticando a corda. O governo precisa avançar em duas direções. Em primeiro lugar, reduzir as alíquotas dos impostos mais sensíveis aos novos instrumentos de fiscalização, e em segundo lugar, adotar impostos com melhor padrão de incidência, ou seja, impostos insonegáveis, que todos paguem. É a única maneira de evitar as distorções que o atual modelo tributário está impondo ao setor produtivo brasileiro.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

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