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  • Marcos Cintra - Correio Braziliense

Uma proposta para o imbróglio do FGTS

O montante de recursos necessários para cumprir a decisão judicial de corrigir os saldos das contas vinculadas do FGTS existentes na época do Plano Verão e do Plano Collor 1 atinge a estonteante cifra de R$ 42 bilhões. Trata-se de valor equivalente a seis orçamentos da cidade de São Paulo, dois orçamentos do Estado de São Paulo, ou à dotação financeira anual dos ministérios da Reforma Agrária, da Justiça, da Agricultura, dos Transportes, do Trabalho e Emprego, e da Educação, todos somados. As propostas para resolver esse angustiante problema se limitaram, até agora, a identificar fontes orçamentárias imediatas para saldar o compromisso.


Instaurou-se uma polêmica no sentido de saber de onde viriam os recursos, se a conta seria paga pelo governo, pelos trabalhadores ou pelos empresários. As empresas não aceitam arcar com novos custos diretos de produção, como aumento no FGTS, ou nas indenizações trabalhistas; o governo não quer deslocar recursos de outras atividades públicas, nem gerar déficits orçamentários; e os trabalhadores não aceitam redução em suas conquistas trabalhistas, pois foram as vítimas, e não os causadores dos erros passados que geraram o problema.


No frigir dos ovos, o custo de qualquer solução acaba incidindo sobre o conjunto da sociedade, ainda que no curtíssimo prazo existam diferenças significativas no tocante às transferências líquidas de renda implícitas em cada uma das sugestões em discussão. Na origem da polêmica acha-se, fundamentalmente, uma questão de liquidez, ou seja, saber quem disporá dos recursos imediatos para saldar a dívida. Se a reposição nas contas do FGTS pudesse ser efetuada em prazo alongado, o crescimento da economia implicaria naturalmente o aumento da capacidade de pagamento do governo, e reduziria sensivelmente a pressão para a identificação de fontes de recursos adicionais de curto prazo.


Nesse sentido, se a reposição ocorresse em um período de dez ou vinte anos, por exemplo, a premência na identificação de fontes imediatas de recursos seria bastante atenuada. Antes de mais nada, contudo, impõe-se uma questão de equidade, já que não seria razoável deixar de saldar essa dívida com o assalariado brasileiro da maneira mais rápida possível.


Como explicar a um aposentado que a reposição das perdas será completada apenas quando já estiver em avançada idade, ou até mesmo após sua morte?


Em outras palavras, o âmago do problema é saber quem pode dispor de liquidez para financiar o custo de reposição das perdas do FGTS, parcelado em vinte anos?


A solução para essa aparente contradição se encontra na identificação de uma fórmula capaz de alongar o desembolso por parte do governo e, ao mesmo tempo, evitar a indesejada espera por parte do assalariado no recebimento do que lhe é devido. A solução é a securitização da reposição do FGTS.


A proposta é a seguinte: a) o governo salda seu compromisso com os titulares das contas vinculadas com a emissão de títulos ao portador representativos da dívida do FGTS; b) tais títulos oferecem rendimentos equivalentes aos das contas vinculadas do FGTS, vencendo em parcelas anuais durante, por exemplo, vinte anos, e até um limite anual, e mediante leilão que definiria o deságio, o governo aceitaria os títulos como pagamento de impostos federais.


Cumpre notar que tal solução implica vantagens para todas as partes envolvidas. Os assalariados receberão as reposições em parcelas anuais, sobre as quais receberão juros equivalentes aos de suas contas originais. Se sua preferência por liquidez assim indicar, poderão negociar seus títulos no mercado, antecipando o resgate e atendendo, assim, às necessidades imediatas de caixa. Os empresários e os poupadores que disponham de recursos para investimento poderão adquirir os títulos daqueles que desejem antecipar o recebimento e auferir rendimentos financeiros, ou então saldar, em condições vantajosas, seus débitos tributários federais. O governo também aufere vantagens, pois cumpre com sua obrigação de saldar a dívida com os titulares do FGTS em prazo compatível com seu fluxo de caixa, ao mesmo tempo em que, ao aceitar os papéis de sua emissão para pagamento de impostos, os títulos emitidos estarão sendo resgatados com aproveitamento de deságio.


A regulamentação dessa proposta poderá ainda definir que o prazo dos títulos representativos das reposições de menor valor seja mais curto, e que a aceitação dos títulos para pagamento de impostos seja limitada a determinados percentuais da emissão total a cada ano, essa fórmula evitaria os inconvenientes de aumentar o custo Brasil mediante aumento da carga tributária das empresas, atenuaria as pressões de caixa sobre o Tesouro, e garantiria ao assalariado credor do FGTS a possibilidade de optar por financiar o recebimento dos valores que lhe são devidos, mesmo que com deságio.



Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), Professor Titular e Vice-Presidente da Fundação Getulio Vargas, e Deputado Federal pelo PFL-SP.

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