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  • Marcos Cintra - Gazeta Mercantil

A lógica econômica do feriadão

O fim de semana de três dias pode ser uma solução para o racionamento de energia elétrica. Inicialmente, essa sugestão foi recebida com descrédito. Deixava a sensação de uma inviável, ainda que agradável, expectativa de unir a dramaticidade da escassez de energia com a alegria dos feriados prolongados. A imprensa atribuiu a autoria da proposta ao professor José Augusto Savazini, da USP. Imediatamente, o deputado Aloísio Mercadante (PT/SP) reivindicou sua autoria. O fato é que ela é sempre lembrada em episódios semelhantes e já foi utilizada com razoável sucesso no Japão e no Chile.



O nível das águas das represas hidrelétricas acha-se com apenas 30% de sua capacidade. Vale notar que, em anos anteriores, os reservatórios jamais atingiram níveis tão baixos neste período. É dramática a constatação de que, ano após ano, o nível dos reservatórios vem mostrando acentuado declínio. Ademais, a escassez de chuvas na época de estiagem se agravou. Poderá haver um colapso na produção e um apagão técnico inevitável.


Para tentar evitar esse desastre, o governo definiu como meta a redução de 20% no consumo total de energia elétrica. Surgem dois desafios. O primeiro é conseguir a redução planejada, esperando-se que seja suficiente para evitar o colapso da produção. E o segundo é fazer com que a queda no uso da energia provoque o mínimo possível de perda de produção e de emprego.


É instrutivo observar os tipos de uso da energia elétrica no Brasil, segundo dados de um estudo elaborado, em 2000, pelos especialistas Luiz Pinguelli Rosa, Maurício Tolmasquim, Roberto D'Araujo e Sebastião Soares, apresentado e discutido na Comissão de Economia da Câmara dos Deputados em maio. Tipo de uso do consumo total em %: força motriz (51,8); calor de processo (7,2); aquecimento direto (13,4); iluminação (17,5); eletroquímica (7,5); e outras (2,6).


O ideal seria que toda a redução do consumo pudesse ser obtida sem restringir os usos produtivos da energia. A opção natural é reduzir a iluminação. Esse tipo de uso se concentra em três setores: residencial, serviços (incluindo comércio) e público. Supondo-se ser inviável reduzir esses tipos de consumo em mais de 35%, não há como evitar restrições nos usos da energia elétrica nos setores de produção, com implicações na taxa de crescimento econômico e no emprego.


Visando minimizar tais impactos, que, como estimado pela FGV, poderiam significar redução de até 1,5 ponto percentual na expansão do PIB e destruição de 850 mil empregos, é que a opção do fim de semana de três dias pode ser uma boa.


Uma medida aparentemente óbvia é racionar o uso nos setores que mais consomem energia elétrica. Os chamados setores energo-intensivos, que incluem alumínio, vidro, aço, papel, entre outros, consomem cerca de 53% de toda a energia elétrica usada na indústria e cerca de 25% da eletricidade do País. Assim, se os cortes no uso da energia se concentrassem nesses setores, tornar-se-ia possível obter a desejada redução no consumo sem maiores sacrifícios para os consumidores e para os demais setores da produção.


Mas, embora essa conclusão possa até ser intuitiva, ela é equivocada. Os estudos do professor Fernando Garcia, da FGV, mostraram que a produção dos setores energo-intensivos tem grande participação no consumo intermediário das demais atividades industriais. Quedas na produção dos setores intensivos em energia poderão magnificar as reduções de produção nos demais setores industriais. Cumpre lembrar que o Brasil não tem dados detalhados de sua matriz interindustrial, o que torna imprudente estabelecer cotas de redução de consumo de energia na produção. Os impactos na economia serão desconhecidos e os riscos de propagação e ampliação dos efeitos negativos no crescimento da economia tornam-se inaceitáveis.


Nesse sentido, a proposta do feriadão ganha importância. Ao se decretar fins de semana de três dias, estará escalonando para baixo o nível de funcionamento da economia como um todo, mantendo-se as proporções relativas de produção. Torna-se, pois, desnecessário estabelecer metas de redução de uso de eletricidade por setores industriais, que, como apontado, poderão ter impactos desconhecidos nos níveis de produção e implicar riscos inaceitáveis de desabastecimento de insumos estratégicos e de desorganização da economia.


Em feriados nacionais, a redução no consumo de energia chega a 35%. Tomando-se esse dado como parâmetro, a decretação de um feriado significará uma redução de, no mínimo, 5% do consumo mensal. Se a redução no consumo de energia nos feriados for de 50%, inclusive nos sábados e domingos, a economia mensal chegará a cerca de 9% da demanda mensal. Somando-se a isso a meta de redução do consumo domiciliar de 20%, que representa cerca de 25% do consumo total (em grande parte, iluminação), a redução no uso da energia avança mais 5%, perfazendo o total de 14% de queda. Para os 20% o governo ainda teria de estimular a racionalização no uso de energia na iluminação do setor público e dos serviços.


Como se vê, a proposta do feriadão é racional e poderá reduzir os impactos indesejáveis da redução compulsória de consumo de energia. Estará-se, consequentemente, reduzindo os riscos de desorganização do setor produtivo e de quedas não previstas na produção e no emprego.



*Doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA), vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas, deputado federal (PFL/SP) e presidente da Comissão de Economia, Indústria e Comércio da Câmara Federal.


Publicação: Gazeta Mercantil

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