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  • Marcos Cintra - Valor Econômico

O fast track foi um grande avanço

O "fast track" foi um grande avanço para o interesse nacional, pois o país passou a ser visto como um firme defensor da abertura comercial.


O texto do "fast track" (Trade Promotion Authority Act - TPA) causou mal-estar no Brasil. Foi acusado de ser uma lista de exceções altamente protecionista e discriminatória, principalmente no tocante ao setor agrícola. Foi duramente criticado pelo Ministro Celso Lafer e pelo presidente Fernando Henrique. A Câmara dos Deputados aprovou uma moção conclamando o governo brasileiro a se retirar das negociações da Alca. Neste clima, o pré-candidato presidencial da oposição declarou que a Alca "é um projeto de anexação que os Estados Unidos querem impor".


É preciso analisar os fatos com mais frieza. Bazófias e ameaças apenas servem para tornar ainda mais arraigadas as posições dos negociadores em posições contrárias às nossas. Não nos convém, no momento, passar uma imagem de intransigência e radicalismo. Pelo contrário, é do interesse nacional que o país seja visto como um firme defensor da abertura comercial, bem como de posições modernas e pró-ativas na defesa da proteção ambiental, no combate ao trabalho infantil e na promoção social, temas que, aliás, vêm marcando positivamente as ações do governo brasileiro.


Há uma evidente ambiguidade na política norte-americana. De um lado, o poder executivo, defensor da Alca, com sua visão global e abrangente, e de outro, interesses difusos e localizados refletidos na representação popular no legislativo. A resposta que o Brasil deve dar ao TPA certamente não deve ser a ameaça, nem o toque de debandada, mas uma postura firme e competente à mesa de negociação.


Na Seção 1 (b) (1), como não poderia deixar de ser, fica claro que o interesse explicitado no TPA é apenas o crescimento econômico e a manutenção da posição de liderança mundial dos EUA. Na Seção 2, estabelecem-se os objetivos dos EUA, e de ninguém mais, com a integração comercial. Desejam acesso a mercados e comércio mais livres para suas exportações, como nós brasileiros também desejamos para as nossas. Estabelecem como metas que o comércio internacional de um lado e a preservação do meio ambiente, e o respeito aos direitos dos trabalhadores e das crianças sejam compatibilizados entre si, e não sejam enfraquecidos internamente. O Brasil não espera o mesmo da Alca?


A polêmica surge quando o TPA estabelece que as negociações da Alca preservem a habilidade dos EUA de implementar rigorosamente suas leis internas referentes a dumping e subsídios. É certo que há profundo desacordo em relação à legislação e ao sistema dos EUA no tocante a estes temas, tidos como discriminatórios e injustos com os interesses de outros países. Esta é uma polêmica que merece ser alvo de negociação, e até de retaliação por parte dos países americanos que se julguem prejudicados. Porém, seria pouco razoável que o mandato concedido ao Executivo permitisse comprometer a integridade da legislação interna dos EUA.


Um segundo questionamento se refere à exigência de "mecanismos de consulta" entre os países para examinar as consequências comerciais de significativas e inesperadas alterações cambiais. Trata-se de um item relativamente novo na agenda internacional, que por sua subjetividade poderá causar fricção nas negociações da Alca. Vale lembrar, contudo, que se trata apenas de impor análises e consultas, sem menção de sanções ou vetos em assunto que por sua própria natureza parece ser subjetivo e de difícil mensuração.


A agricultura está no coração do TPA. É neste setor onde os interesses setoriais e corporativistas se fizeram representar de forma mais intensa. Mas nem neste tema as exigências parecem descabidas a ponto de merecerem repúdio explícito. Nada é novidade, ainda que tudo neste item vá exigir intensa negociação.


Na questão de acesso a mercados norte-americanos aos exportadores estrangeiros, o TPA exige "um período razoável de ajustamento no caso de produtos agrícolas sensíveis às importações". Trata-se de reclamo justificável, como aliás deverá ser exigido também por parte do Brasil no caso de setores industriais que notadamente não se modernizaram suficientemente para concorrer no mercado mundial.


O TPA fala também na preservação de programas de suporte a produtores rurais, "desde que não causem distorções comerciais". Cumpre aos negociadores avaliar a existência, ou não, de "distorções" nos programas americanos de suporte agrícola. No mais, as exigências se restringem à eliminação de práticas discriminatórias, à isonomia no cumprimento recíproco de acordos internacionais de liberalização comercial por parte dos parceiros comerciais americanos, e a uma rotina de conversações e consultas com o Congresso.


Na Seção 3, o TPA estabelece os termos concretos e as limitações específicas do mandato concedido ao Executivo. No item (a) (2) e (3), no caso de acordos de barreiras tarifárias, o TPA estabelece os limites de redução tarifária e o seu escalonamento temporal. Esses limites poderão ser ultrapassados se ocorrerem no âmbito da OMC (artigo (a) parágrafo (6)), ou então mediante permissão especial do Congresso americano. Como se vê, estabelecem-se limites ao mandato do Executivo, mas não se impede a possibilidade de negociações mais amplas mediante autorização legislativa.


No artigo (b), contudo, no caso de acordos envolvendo barreiras tarifárias e não tarifárias, o TPA abre a possibilidade de negociações envolvendo a redução ou até mesmo a eliminação das barreiras, desde que as mesmas sejam consideradas prejudiciais à economia norte-americana. Adicionalmente, o TPA estabelece as condições para sua extensão e estabelece a rotina de consultas e avaliações que o Executivo deve fazer junto ao Congresso norte-americano.


Em realidade, o TPA estabelece uma rotina de contatos e consultas altamente burocratizada, que, em nome da transparência, poderá implicar delongas significativas na conclusão das negociações. Quem esperava encontrar no TPA uma declaração humanitária de ajuda externa aos países em desenvolvimento da América Latina se frustrará. Por outro lado, quem esperava encontrar uma autorização para o início das negociações da Alca verá que suas expectativas foram atendidas. Não se trata de um cheque em branco ao presidente Bush, mas sim de uma autorização que, apesar de limitada, desobstrui o caminho dos entendimentos.




Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Ph.D em economia pela Universidade de Harvard, é professor-titular e vice-presidente da FGV-SP e deputado federal (PFL-SP).

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