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  • Marcos Cintra - Revista Conjuntura Econômica

A armadilha da estagnação

O sucesso do Plano Real é inegável. A queda da inflação galopante foi obtida mediante a conjugação da âncora cambial com elevadas taxas de juros. Contudo, a estratégia adotada fez o endividamento do setor público crescer descontroladamente. Como resultado, a economia brasileira caiu numa armadilha da qual não consegue se desvencilhar, alternando rotineiramente ciclos de expansão e contração.


Para recuperar o crescimento econômico sustentável, várias propostas têm sido apresentadas. As mais comuns são a redução acelerada dos juros, a renegociação da dívida pública, a depreciação acentuada do câmbio e o afrouxamento do superávit primário.


Ocorre que, para evitar que a expansão da economia se transforme em bolhas de crescimento, o país necessita garantir o equilíbrio de algumas variáveis que compõem um tripé fundamental.


O crescimento sustentado exige, concomitantemente, a estabilidade da inflação, a solvência do balanço de pagamentos e a redução na relação dívida/PIB. Essas três variáveis formam um "triângulo intocável", cuja integridade não deve ser ameaçada sob pena de agravar a fragilidade da atual estrutura econômica brasileira e ainda pôr a perder as conquistas alcançadas com o Plano Real.


Cabe analisar, portanto, quais seriam os impactos que cada uma das medidas propostas acarretaria nos componentes do "triângulo intocável".


Redução da Selic - A redução acelerada da Selic teria um impacto positivo na relação dívida/PIB. Em meados de 2004, 52% da dívida mobiliária estava indexada à taxa Selic. Com o juro primário mais baixo, o custo do serviço da dívida seria reduzido, e o PIB seria estimulado a crescer no curto prazo. Assim, certamente a relação dívida/PIB seria declinante.


Ocorre que, com juros abruptamente reduzidos, o risco da reinflação poderia ameaçar. O maior volume de crédito aqueceria a demanda. Como o setor produtivo privado e o setor de infraestrutura pública sofreram cortes profundos de investimentos em expansão de capacidade e modernização ao longo dos últimos anos, a pressão sobre os preços seria inevitável. Neste momento, e apesar da tímida recuperação econômica do país, já há setores, como os de autopeças e aço, que estão encontrando dificuldades para atender ao crescimento da demanda.


Quanto ao balanço de pagamentos, a queda acelerada nos juros poderia não ser recomendável em um momento em que o Federal Reserve inicia um processo de elevação dos juros nos EUA.


O Brasil precisa compensar, na conta de capital, o seu histórico déficit em conta corrente. Em 2002, o balanço de transações correntes foi deficitário em US$ 7,7 bilhões. Em 2003, houve um superávit de US$ 4 bilhões, por conta das exportações, que atingiram US$ 73,1 bilhões, resultado que será ainda mais favorável em 2004.


Porém, cumpre lembrar que as condições externas francamente favoráveis poderão não perdurar indefinidamente. O mercado externo francamente comprador, principalmente para as commodities agrícolas, e a continuidade da expansão da China como grande parceiro no mercado internacional, são fenômenos que não devem ser tidos como permanentes. Por essa razão, as entradas de capitais externos são fundamentais para o país acumular reservas e se preparar para uma eventual aceleração em sua taxa de crescimento.


Ademais, a pressão sobre as importações causada pelo aquecimento da demanda interna, gerada por uma queda acentuada nos juros, poderia comprometer os atuais saldos das transações comerciais.


Repactuação da Dívida - No tocante à proposta de renegociação da dívida, eventual ampliação dos prazos de vencimento e a redução das despesas com os juros gerariam maior disponibilidade de recursos para investimentos na ampliação e na modernização da estrutura produtiva. Os encargos da dívida pública vêm sendo um dos principais focos de pressão para um aumento na carga tributária, e consistem num fator determinante na transferência de renda da produção para os rentistas. Nesse sentido, a medida poderia gerar maior fluxo de investimentos e um maior crescimento do PIB. A proporção da dívida em relação ao PIB seria declinante num primeiro momento.


Contudo, a mudança de posição dos rentistas internos tenderia a ser direcionada para ativos como imóveis e moeda estrangeira. A maior demanda por essas aplicações teria como efeito a pressão sobre o nível geral de preços da economia. Em suma, renegociar a dívida poderia ter um efeito pernicioso na inflação.

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