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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

PIS/Cofins: espasmo da burocracia

1 - A questão tributária demanda urgente atenção no tocante à sua absurda complexidade. Os vícios que imperam nas ações de governantes e burocratas fazendários produziram um emaranhado de normas cuja estrutura torna-se cada vez mais confusa e complexa. Levantamento do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) relativo às normas tributárias existentes no país apontou números impressionantes. Quando dessa pesquisa, a legislação tributária contava com 55.767 artigos, 33.374 parágrafos, 23.497 incisos, 9.956 alíneas e 18.589 páginas. Levantamento mais recente do IBPT para apurar a quantidade de normas editadas nos 16 anos de vigência da Constituição Federal constatou o total de 219.795 regras na área tributária nos três níveis de governo. Isso equivale a 56 novas normas por dia útil, ou 2,3 mudanças de regras a cada hora. 2 - Nessa selva tributária, qualquer erro detectado pelo fisco torna-se indício de fraude, gerando enormes riscos empresariais e ameaças à integridade de reputações e de prestígio pessoais dos executivos. Não é difícil imaginar a insegurança jurídica e o custo para as empresas do caótico sistema de impostos que impera no país. Em tese apresentada na FEA-USP, Aldo Bertolucci estima que a burocracia dos impostos (controles, planejamento tributário, contencioso fiscal etc.) custe às empresas cerca de 5,3% do PIB, além da carga tributária efetivamente recolhida aos cofres públicos. 3 - Ao mesmo tempo, essa situação fomenta o crescimento da economia informal, gerando um círculo vicioso onde a expansão do submundo econômico, estimulado pela legislação confusa e de alto custo, leva o poder público a produzir e a modificar leis visando compensar a fuga de contribuintes. Segundo a empresa McKinsey & Company, 40% da renda brasileira circula na economia subterrânea. Oportuno lembrar que, no manicômio fiscal brasileiro, a proliferação de normas é campo fértil para a disseminação de uma das maiores pragas na administração pública: a corrupção. A entidade Transparência Internacional divulgou dados sobre a corrupção no mundo e classificou o Brasil numa posição vexatória, atingindo um nível quase endêmico. 4 - O problema foi agravado recentemente com as alterações na sistemática de cobrança do PIS e da Cofins. O processo de mudança representou um marco negativo na vida tributária do país, elevando a carga de impostos e ampliando a complexidade e a burocratização do sistema vigente. As medidas provisórias 66/02 e 135/03 marcaram o início de uma reforma tributária demandada por defensores da não-cumulatividade. Empresários, tributaristas e economistas fizeram o governo acreditar que as mazelas tributárias do país estavam circunscritas à cumulatividade de parte dos tributos. Eliminar a cumulatividade do PIS/Cofins foi um projeto encabeçado por parte do empresariado, que, para tentar justificar suas demandas, apontou que o setor de serviços vem sendo continuamente subtributado no país. Tal fato, por sinal, foi peremptoriamente desmentido em estudo da Fundação Getúlio Vargas, que revelou que a carga tributária do segmento de serviços é, na verdade, ligeiramente superior à da indústria.

O poder público encampou a proposta da indústria, e foi o principal beneficiário da mudança, uma vez que a arrecadação iniciou uma trajetória ascendente que deve levar a um novo recorde na arrecadação tributária em 2004. 5 - A nova forma de cobrança do PIS/Cofins deu início a uma sucessão de desencontros que enfraqueceu o discurso anticumulatividade. Vários ramos industriais passaram a criticar o sistema que tanto defenderam, e reivindicaram o retorno ao sistema cumulativo, em cascata. Foram atendidos. Criou-se uma das situações mais patéticas já presenciadas na história tributária do país. As trapalhadas com as alterações no PIS/Cofins a partir de 2002 geraram um quebra-cabeça com efeito devastador sobre a capacidade de análise dos especialistas e das empresas, sobretudo as de menor porte. A sucessão de mudanças iniciadas com as medidas provisórias 66 (convertida na lei 10.637/2002) e 135 (convertida na lei 10.833/2003) pode ser resumida no quadro acima.


A confusão criada com as 88 novas regras do PIS/Cofins e seus respectivos atos normativos contempla um calhamaço com 384 páginas, até o momento. A avaliação das mudanças revela que há normas que foram editadas e revogadas num espaço de poucas semanas. 6 - A balbúrdia criada pelas mudanças no PIS/Cofins teve apenas um ganhador: o governo federal, que continua arrecadando como nunca. Os prestadores de serviços tiveram que suportar maior ônus. O refúgio à informalidade implica riscos crescentes diante dos métodos cada vez mais modernos e mais informatizados de fiscalização e controle utilizados pelas autoridades fazendárias. Alguns setores industriais também foram fortemente prejudicados pelo PIS/Cofins não-cumulativo.


Na ponta, o consumidor sempre paga a conta, seja por meio de preços mais elevados ou por força do crescimento do desemprego causado pela perda de competitividade do setor produtivo.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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