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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Populistas, charlatões e mercenários


Quando a razão não assiste, a ofensa costuma tomar seu lugar. Foi o que aconteceu recentemente com a publicação, na Folha, do artigo "Tarifas escorchantes ou populismo?", em que o autor agride os que criticam as altas tarifas bancárias. De forma bastante agressiva, como sempre acontece quando os argumentos são fracos, o autor afirma que os que criticam as altas tarifas cobradas pelos bancos se utilizam de argumentos populistas, com objetivos eleitoreiros, chegando a afirmar tratar-se de puro charlatanismo. Prefiro não mencionar o nome do articulista, por considerá-lo um bom técnico e um amigo. Mas, para quem tiver interesse, o artigo foi publicado na última quinta-feira, na página A3. Em 10 de janeiro, a Folha publicou nesta coluna artigo de minha autoria intitulado "As escorchantes tarifas bancárias". A intenção foi trazer à discussão o que considero as altas tarifas cobradas pelos bancos. Mostrei dados da empresa de consultoria Austin Asis sobre a evolução das receitas de uma amostra dos bancos com a cobrança de tarifas. A informação revela que de 1994 a 2003 esse item das receitas dos 18 maiores bancos no Brasil cresceu de R$ 2,5 bilhões para R$ 21 bilhões. Um salto impressionante de 740%. No texto do último dia 20, o autor afirma que parte dos acadêmicos e consultores desconhece a composição da receita de serviços dos bancos e que não se pode chamar de "tarifas" itens de receita tais como corretagens, taxas de administração, custódia, assessoria técnica etc. É curioso que o autor não considere como tarifas de serviços várias receitas dos bancos que, de fato, são tarifas. Excluindo-se as receitas de intermediação financeira, creio que todas as demais receitas bancárias sejam de fato receitas de tarifas. Não seria o caso de o autor apresentar de forma límpida e transparente a composição de cada um desses itens de receita para poder analisar a validade de seu argumento? O fato é que as tarifas cobradas de correntistas, investidores e empresas cresceram consideravelmente e mostra uma importante faceta do poder dos bancos na definição de seus preços. Outra contestação é que a evolução da receita com tarifas deveria levar em consideração as fusões e as aquisições. O argumento é que o crescimento dessas receitas acompanhou o aumento de correntistas. Obviamente o processo de fusão e incorporação dos 18 bancos da amostra da Austin Asis incorporou clientes às carteiras dos bancos, mas cabe ao autor provar que esse fato responde pelo astronômico crescimento das receitas de serviços, o que não foi feito. Mais curioso ainda é que o argumento que o autor critica em um momento é por ele utilizado em outro. Não aceita o valor das taxas cobradas por um banco em particular, ainda que seja um dos maiores e mais representativos, como prova dos altos custos desses serviços no país como um todo. Mas logo em seguida afirma que os serviços bancários no Brasil não são caros e comprova tal afirmação com um exemplo isolado do custo de uma TED, que é mais baixa no Brasil do que nos EUA. A realidade é que é muito difícil refutar o poder dos bancos na definição de suas tarifas e nos juros cobrados de seus clientes. No texto da Folha de 20 de janeiro, há uma tímida tentativa de mostrar que os ganhos dos bancos não são tão elevados como se propaga e que contraria um estudo de Agnes Belaisch, do FMI, que afirma ainda que o setor não é eficiente nem competitivo. Seria salutar para o país se os bancos promovessem um amplo debate capaz de justificar as razões de o setor pagar cerca de 20% ou menos para captar recursos e cobrar de seus clientes juros quatro, cinco ou mais vezes acima. Segundo a Anefac, em dezembro de 2004 os bancos cobravam juros anuais médios de 161,79% no cheque especial, 57,17% no CDC e 106,06% no empréstimo pessoal. A taxa média ficou em 148,20% para as pessoas físicas. Para as empresas, o levantamento da Anefac revelou que no mês passado os juros médios foram 63,46% no financiamento do capital de giro, 61,77% no desconto de duplicata e 91,20% na conta garantida. O juro médio cobrado das empresas foi de 69,39% ao ano em dezembro de 2004. Esses fatos demonstram que, seja na cobrança de tarifas bancárias, seja nos juros exigidos dos tomadores de crédito, os bancos detêm invejável poder de mercado. Gostaria de convidar os representantes do setor bancário para dar início a um saudável debate sobre essas questões e deixar claro que serei o primeiro a reconhecer meu erro caso seja convencido do mesmo. A discussão franca e leal é a melhor maneira para desmascarar os populistas e charlatões, como menciona o autor da defesa dos bancos. E também serviria para revelar os mercenários, eu ousaria acrescentar.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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