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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Lula, está valendo a pena?

Metade da gestão do presidente Lula já se foi. Seria oportuna uma avaliação de seu desempenho na área econômica. Em 2002, a economia brasileira viveu momentos de grande turbulência por conta da expectativa de um governo de esquerda. O PT assumiu no ano seguinte em meio a um mar revolto, e a desconfiança tomou conta dos agentes econômicos, nacionais e estrangeiros. Muitos analistas apostaram que o desastre seria inevitável. Recentemente, um grupo de mais de 110 petistas históricos anunciou o afastamento do partido e se declarou insatisfeito com os rumos da administração do presidente Lula. Segundo esses dissidentes, o PT deixou de lutar por mudanças sociais e optou pela manutenção do status quo. Curiosamente, a debandada dos petistas frustrados com o governo Lula foi anunciada quase que simultaneamente com a mais recente pesquisa de opinião do instituto CNT/Sensus, que apurou melhora na avaliação do presidente. Obviamente, os horizontes e as perspectivas dos grupos em questão são bastante distintos. Os petistas insatisfeitos sonhavam com a sinalização de mudanças estruturais profundas na sociedade brasileira, em direção ao socialismo, enquanto o cidadão da pesquisa de opinião pública avalia o seu dia-a-dia e deseja apenas melhorias em seu padrão de vida. A economia, como a natureza, não dá saltos. É impensável querer eliminar as seculares desigualdades sociais no Brasil de maneira abrupta, como possivelmente deseja a ala que debandou do PT. Ao assumir, em 2003, o presidente Lula empunhou a bandeira da justiça social, mas encontrou a economia à deriva. Se no primeiro mandato o presidente Fernando Henrique Cardoso tem a seu crédito ter debelado a inflação, no segundo o país só não quebrou por causa do acordo com o FMI e em razão do tratamento de choque adotado em 1999, que elevou a Selic a 45% ao ano e adotou o sistema de metas de inflação. Ao término do governo FHC, os efeitos da política econômica adotada, associados à incerteza gerada pelo período eleitoral, resultaram em um cenário macroeconômico totalmente adverso. A tabela nesta página mostra que, no final de 2002, a dívida pública ultrapassou 55% do PIB, o déficit do governo foi o mais elevado do Plano Real, e o câmbio e a inflação dispararam. O risco-país naquele ano chegou a 2.400 pontos, com os investidores acreditando que o país estava à beira do abismo. O PT tomou posse, e o pragmatismo do presidente Lula salvou o país. O partido seguiu a cartilha do FMI e intensificou a rigidez fiscal e monetária. O risco Brasil caiu para cerca de 400 pontos com a melhora dos indicadores macroeconômicos. A dívida líquida do setor público fechou 2004 no menor nível desde 2001, o déficit público foi reduzido para 2,5% do PIB, a inflação ao consumidor foi controlada, e as contas externas mostram números animadores. Dados do IBGE apontam para um crescimento superior a 5% em 2004, a maior taxa desde 1995, sendo o setor externo o principal responsável por essa expansão. O saldo comercial registrou, em 2004, US$ 33,7 bilhões, e os investimentos estrangeiros diretos, que atingiram US$ 16,6 bilhões em 2002, despencaram para US$ 10,1 bilhões em 2003, mas mostraram recuperação para US$ 18,2 bilhões no ano passado. As reservas cambiais ajustadas (excluem recursos do FMI), que somavam US$ 16,3 bilhões em 2002, saltaram de US$ 20,5 bilhões em 2003 para mais de US$ 22 bilhões em 2004.

A política macroeconômica do presidente Lula foi uma agradável surpresa nesses dois anos de governo e, gradualmente, seus efeitos impactam na rotina da média da população, o que explica sua boa avaliação nas pesquisas. Contudo no aspecto microeconômico a gestão petista não tem muito a comemorar. A política tributária do governo vem causando estragos preocupantes na estrutura produtiva. A manutenção da abusiva carga tributária vem sendo o principal ponto negativo do presidente Lula. Segundo a Receita Federal, há uma elevação contínua do peso dos impostos desde 1998. A interrupção em 2003 ocorreu por causa da concentração de expressivo volume de receitas extraordinárias no ano anterior, arrecadadas de fundos de pensão que questionavam tributos na Justiça. Nos dois anos do PT no governo, a pesada carga tributária foi mantida, entre outras razões, pela defasagem nos valores da tabela do Imposto de Renda da pessoa física e pela derrama aplicada principalmente sobre os prestadores de serviços, que passaram a contabilizar maiores custos com o PIS/Cofins não-cumulativo e com a elevação na base de cálculo dos optantes do lucro presumido. A política tributária do PT pode ser um tiro no pé, sobretudo depois das recentes medidas introduzidas com a MP 232/04, que aplica nova investida contra o setor produtivo. O impacto nos prestadores de serviços rapidamente se alastrará sobre a indústria e demais setores da economia e será forte estímulo à informalidade, pressionará a inflação e poderá comprometer os bons resultados macroeconômicos obtidos até o momento. O presidente Lula merece reconhecimento pelo bom desempenho na condução do conjunto da economia, mas é preciso estar atento à luz amarela que se acende com as terríveis dificuldades que sua política tributária vem impondo ao setor produtivo. Não dá para conciliar justiça social com a iniquidade tributária que beneficia o sonegador e pune as pequenas e médias empresas e o trabalhador no mercado formal.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.


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