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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Caindo na real


O presidente Lula costuma se vangloriar ao dizer que seu governo foi responsável por o país não ter ido à lona por conta da crise política deflagrada em 2002. De fato, a política econômica adotada em seu governo evitou a "débâcle" da economia ao se manter fiel aos ditames da cartilha do FMI. No primeiro ano de Lula, a economia registrou seu pior desempenho desde 1998. Houve relativa melhora em 2004, com o PIB crescendo 4,9%, e em 2005 a previsão é que cresça um pouco acima de 3%. Em razão desses números, o presidente foi acometido de incontido triunfalismo. Em seu discurso, há a impressão de que somos a versão latina dos tigres asiáticos. Nesse cenário de efusiva jactância, estrategicamente criado como forma de amenizar a crise política, torna-se oportuno comparar o que vem ocorrendo no Brasil em relação a outros emergentes. O combate à inflação tem sido uma das principais diretrizes das nações em desenvolvimento. A adoção do sistema de metas de inflação em vários países foi um mecanismo que obteve sucesso ao combinar queda na inflação com elevação do PIB. Na tabela acima, vê-se que no grupo de emergentes que formam o denominado Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) ficamos cada vez mais para trás. A Rússia, que em relação a 2000 reduziu à metade a inflação, cresce em média 6,2% ao ano. A Índia e a China, países em que a inflação se mantém baixíssima, registram PIB em expansão média de 6,6% e 9,1%, respectivamente. Enquanto isso, o Brasil segue com inflação no mesmo nível de cinco anos atrás e a economia crescendo menos de 3%. Quando comparado com emergentes do continente americano, o quadro também não é cômodo para o Brasil. A Argentina, que foi à lona em 2002, recuperou-se de modo impressionante e cresce em média mais de 8% ao ano desde 2003. O Chile mantém inflação baixa, e sua economia cresceu mais de 6% no ano passado e deve repetir o número em 2005. A Estônia, a Letônia e a Lituânia são economias com inflação anual na casa dos 3% e PIB crescendo 7,5% ao ano. Vale ressaltar que todo o Leste Europeu experimenta forte expansão econômica por conta das reformas que estão em curso naqueles países, com destaque para as que vêm sendo empreendidas na área tributária e que enumerei no artigo "O Imposto Único na Europa", publicado nesta coluna no dia 3. A euforia do governo Lula não tem fundamentos sólidos. Nossa economia registra desempenho medíocre, que só não é pior porque países como EUA e China, que representam juntos mais de um terço do PIB mundial, cresceram em 2004 4,4% e 9%, respectivamente. Nesse embalo, o Brasil aproveita a maré boa da economia internacional e registra seu pífio crescimento por conta da expansão das vendas externas. Mas até quando a situação vai durar? Lamentavelmente, o comodismo e o conservadorismo prevalecem em nosso país. As reformas fundamentais e "inadiáveis" não foram implementadas, nem por este governo nem pelos que lhe antecederam. Enquanto isso, os investimentos se mantiveram abaixo de 20% do PIB, quando precisamos algo acima de 25%. Já a carga tributária disparou, para se aproximar de 40% do PIB. O Brasil precisa mirar nos países que foram capazes de empreender mudanças de impacto em suas economias e que hoje colhem crescimento vigoroso. A reforma tributária, por exemplo, foi um fiasco no governo Lula e hoje é um dos principais entraves aos investimentos, segundo o Banco Mundial. Além disso, o Fórum Econômico Mundial detectou que temos o sistema tributário mais ineficiente do mundo. E a reforma político-eleitoral, chamada corretamente de mãe de todas as reformas, não saiu do papel, nem com a oportunidade criada pela crise política que atravessamos. Definitivamente, a economia brasileira não vai bem.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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