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  • Marcos Cintra - Revista Conjuntura Econômica

O imposto Único na Europa

Um conceito fundamental vem se impondo de modo incisivo na esfera tributária mundial. A simplificação parece ser a palavra de ordem quando se trata da reformulação do sistema de impostos em várias partes do mundo. Tal fato ganhou grande destaque durante as recentes eleições na Alemanha. Uma variante da tese do imposto único, defendida pelo professor da Universidade de Heidelberg, Paul Kirchhof, reconhecido como um dos gurus em matéria de finanças públicas naquele país, foi colocada no centro dos debates pela candidata de oposição Angela Merkel, que se comprometeu a implantar esta enorme simplificação tributária se viesse a liderar o novo governo.


O inferno está cheio de pessoas bem intencionadas. Na área tributária a mesma coisa acontece. A elogiável meta de se buscar justiça social e de se combater a evasão e as fraudes fiscais levaram a uma proliferação insana de alíquotas e regras que desembocaram em estruturas tributárias complexas e de custo elevado, tanto para o poder público como para os agentes privados. No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), foram editadas 219.796 normas tributárias (leis, decretos, MPs, etc.) entre a promulgação da Constituição, em 1988, e 2004. Pesquisa publicada pelo Fórum Econômico Mundial classificou o sistema tributário brasileiro como o mais ineficiente dentre os 117 países consultados. Nos Estados Unidos, há estimativas apontando que os custos operacionais tributários (custos administrativos e acessórios) se situam entre 10% e 20% da arrecadação global.


Conjuntura Econômica 20/11/2005


Marcos Cintra, Doutor pela Universidade de Heidelberg, professor titular e ex-presidente aplicados no Brasil implicariam dizer que entre 3,5% e 7% do PIB brasileiro são gastos em atividades diretamente relacionadas à apuração, à fiscalização, ao contencioso e ao recolhimento de tributos. Nesse sentido, é evidente que a simplificação, ao reduzir os custos burocráticos e operacionais da atividade tributária, aumenta a competitividade da produção nacional.


Nos Estados Unidos, a simplificação tributária ganhou destaque anos atrás quando o milionário Steve Forbes, então candidato à presidência, propôs um imposto único de 17% sobre os salários. A ideia do fint-tax ganhou adeptos e, em 2003, cinco projetos seguindo essa linha simplificadora foram apresentados ao Congresso norte-americano. Se o debate em torno da simplificação dos impostos assume crescente destaque na maior economia do mundo, na Europa ela vem sendo praticada desde meados da década de 90. O foco destas inovações simplificadoras acha-se ainda restrito à aplicação de uma alíquota única no imposto de renda das pessoas físicas, e, em alguns casos, na eliminação do imposto de renda sobre as empresas. Em 1994, a Estônia introduziu um imposto único de 26% sobre a renda, que pode ser reduzido para 20% até 2007, em substituição a três impostos sobre a pessoa física e um sobre os lucros das empresas. Na sequência, Letônia e Lituânia seguiram o mesmo caminho e passaram a aplicar alíquotas únicas sobre a renda pessoal. A onda simplificadora ultrapassou os limites do Báltico e seguiu em direção a outros países do Leste europeu. Em 2001, foi a vez da Rússia; em 2003, a Sérvia; em 2004, a Ucrânia e a Eslováquia; e, em 2005, a Geórgia e a Romênia. Em 2007, a Polônia deve adotar uma alíquota de 16% sobre a renda pessoal.


Os esclerosados sistemas tributários existentes na Europa e na América estão na linha de tiro e vão sendo gradualmente repensados. O sistema convencional se mostra esgotado e são fatores fortemente limitantes do potencial de crescimento dessas economias. Tal fato fica ainda mais evidente ao se aprofundar a tendência de globalização econômica mundial. Os mecanismos de controle e fiscalização tributários vão se tornando cada vez mais pantagruélicos, a exemplo do recente surgimento de farta literatura sobre os chamados "preços de transferência". O ônus imposto às empresas e trabalhadores cria um verdadeiro peso morto para a atividade econômica.


Analisando o desempenho econômico de alguns países do Leste europeu, que há mais tempo adotaram a unificação tributária, vê-se que eles registraram crescimento vigoroso nos últimos anos. Obviamente que há outros fatores que explicam a performance daquelas economias, mas não se pode ignorar que a reforma tributária simplificadora restituiu a capacidade de tributação de governos como o da Rússia, que perdia rapidamente seu poder de arrecadar antes das mudanças de 2001, e contribuiu para aliviar o custo tributário para o setor produtivo daquela região. De 2001 a 2004 a economia russa vem crescendo em média 6% ao ano e seu PIB per capita anual saltou de US$ 1,8 mil para US$ 3,4 mil. Já os três países do Báltico registram, desde a virada do século, crescimento médio do PIB na casa dos 7% ao ano e a renda per capita média saltou de US$ 5 mil para US$ 8 mil, entre 2000 e 2004.


Os efeitos das reformas simplificadoras do leste europeu têm causado forte eco no lado ocidental daquele continente. Em Portugal, o economista e deputado do PSD (Partido Social Democrata), Miguel Frasquilho, propôs uma simplificação tributária nos moldes dos países do Leste europeu como forma de alavancar o baixo crescimento de 2% esperado para os próximos anos da economia portuguesa. Para Frasquilho, o país deveria adotar alíquotas únicas para o IVA e para os impostos sobre a renda e sobre o consumo. Na Espanha, Miguel Sebastian, um consultor econômico do governo socialista daquele país, vem defendendo uma alíquota única sobre a renda dos espanhóis. Seguramente, é possível afirmar que o exemplo do Leste europeu contagiou a comunidade europeia.


Não é raro os críticos da alíquota única se manifestarem afirmando que essa prática é ruim sob o ponto de vista da justiça social. Argumentam que o sistema deve contar com impostos múltiplos e que suas alíquotas devem ser crescentes, de tal forma a onerar mais os ricos. O fato é que a tributação mais elevada sobre a renda e a propriedade, por exemplo, estimula os mais abastados a buscar formas de proteção de seus ativos.


Em um estudo da OCDE, seus autores, Jeffrey Owens e Stuart Hamilton, analisaram a parafernália de regras e alíquotas e levantaram a seguinte questão: quanta legitimidade é ganha com toda essa complexidade extra? "Surpreendentemente pouca", concluem ambos. Conforme seus relatos, em um exemplo na Nova Zelândia, apenas 10% dos mais ricos é que pagam mais impostos com a aplicação de um imposto de renda progressivo do que pagariam com um imposto único de 25%.


Felizmente o princípio da simplificação tributária se impõe como elemento fundamental para a maior eficiência das economias modernas. Nesse sentido, cabe ao Brasil, cujo sistema de impostos complexo e de alto custo é fator determinante para o país não acompanhar o crescimento dos emergentes, mirar-se no exemplo do Leste europeu, como estão fazendo os ricos do ocidente.

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