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Anemia econômica


Foi um alvoroço quando o IBGE anunciou que a economia encolheu 1,2% no terceiro trimestre em relação ao segundo. O anúncio fez a vice-diretora-gerente do FMI, Anne Krueger, classificar o desempenho do PIB como "decepcionante" e o presidente Lula afirmar que o resultado foi pior que o esperado. Como costuma fazer, o presidente explicou simploriamente o fenômeno, apelando aos juros elevados e à crise política. Membros da equipe econômica começaram a bater cabeça a ponto de o presidente do Banco Central ir a público dizer que o IBGE errou no cálculo. Em seguida, foi a vez de o presidente do BNDES responsabilizar o BC pela retração, dizendo que houve "excesso de zelo" na condução da política monetária. Até o presidente da Petrobras criticou o BC. Enfim, o desempenho anêmico do PIB caiu como uma bomba no colo do governo. ​ A queda do PIB no terceiro trimestre de 2005 fez o mercado prever para este ano crescimento de 2,6%, e o Ipea, de 2,3%. Estimativas no final de 2004 apontavam crescimento entre 3,5% e 4%. De qualquer forma, a mediocridade do desempenho da economia brasileira, iniciada nos anos 80, continua. Com isso, vamos comendo poeira ante os outros países emergentes, que crescem seguidamente a taxas na casa dos 7% ao ano. ​ O recuo do PIB fez voltar à tona as velhas e conhecidas críticas de que o responsável por tudo são os juros elevados, o real valorizado e o aperto fiscal. De fato, a atual política econômica esgotou-se. No entanto, é fato também que, além da seqüência de políticas econômicas conservadoras e, por vezes, inconsistentes, o governo peca terrivelmente quando descamba a praticar ações assistencialistas, em vez de se voltar para medidas capazes de gerar renda e emprego de forma permanente e duradoura. A política monetária do governo é questionável, e isso produz, com a ausência das reformas estruturais e com os gargalos na infra-estrutura, o crescimento ridículo que vamos ter neste ano. Porém não há surpresa nisso, uma vez que há décadas isso se tornou uma triste rotina de sobe-e-desce esquizofrênico de nosso PIB. ​ A complexidade do quadro econômico brasileiro é de tal envergadura que propostas simplistas e pontuais surgem como se fossem capazes de, abruptamente, colocar nossa economia crescendo como os tigres asiáticos. Não resta dúvida de que os juros precisam cair, o câmbio pode ser depreciado e as contas públicas devem urgentemente ser redimensionadas. No entanto ações pontuais ou mesmo um novo "mix" de política econômica podem levar a um crescimento de curto prazo, que em seguida será contido por força de inevitáveis medidas compensatórias de alto custo para o país. ​ É nesse sentido que as recentes declarações da poderosa ministra Dilma Rousseff podem ser desastrosas para o país e para a credibilidade que a política econômica da dupla Palocci/Meirelles angariou para o Brasil. Contestando e desautorizando os ministros da área econômica, o governo trabalha contra si mesmo e cai em uma armadilha populista que poderá ter resultados desastrosos. Vale dizer que as declarações da ministra, nas quais pediu redução no superávit primário e estimulou o governo a pisar no acelerador dos gastos públicos, terão o efeito de ampliar a dívida pública e, consequentemente, de desfazer toda a construção de austeridade e estabilidade diligentemente construída pela atual equipe econômica, ainda que com elevadíssimos custos sociais. A fraqueza da economia brasileira e sua absurda variação podem ser observadas a partir de meados dos anos 90. Desde 1996, estamos crescendo abaixo do PIB mundial e num frenético sobe-e-desce das taxas anuais. Enquanto de 1995 a 2005 o desvio padrão da trajetória do PIB mundial foi 0,8%, o nosso foi 1,6%. ​ Com os números previstos para 2005, o PT vai registrar um crescimento médio do PIB de 2,7%, parecido com os 2,3% do governo anterior. O desempenho instável nos três anos petista foi pior. O desvio padrão do PIB de 1995 a 2002 foi 1,6%, enquanto nos três anos de Lula foi 2,2%. ​ É evidente que o Brasil precisa crescer mais rapidamente. ​ Nos últimos anos, nossa política econômica tem se pautado por medidas que não são capazes de levar ao crescimento econômico concomitantemente com equilíbrio na inflação, na razão dívida/ PIB e no balanço de pagamentos. Qualquer mexida nos juros, no câmbio ou nos gastos públicos melhora um ou dois desses indicadores, mas sempre piora o(s) restante(s). O leitor que tiver interesse poderá consultar uma série de cinco artigos que escrevi para esta coluna (o primeiro foi "O triângulo intocável", de 17/5/2004) em que mostro isso. ​ Rever o volume e a qualidade dos gastos públicos é a chave para fugir da atual armadilha econômica. Não se deve praticar uma política fiscal expansionista que privilegie o assistencialismo, como é a tendência deste governo. O Estado precisa voltar a investir em infra-estrutura e criar condições para mais investimento privado. Além disso, é preciso acelerar as "inadiáveis" reformas que Lula não fez e rezar para que ele não caia na tentação de embarcar em uma política econômica aventureira e populista a fim de tentar salvar seu mandato.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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