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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A lição de Carville


Durante as eleições de 1992 nos Estados Unidos o comando de campanha do candidato republicano George Bush apostou que poderia vencer o pleito explorando o resultado da guerra contra o Iraque. Eis que o estrategista político James Carville deu uma cartada decisiva para a vitória do democrata Bill Clinton utilizando quatro palavras. A célebre frase “It’s the economy stupid” tornou-se emblemática para resumir que o que vale numa disputa política são os efeitos e expectativas das medidas na área econômica. Ao que tudo indica, a lição de Carville foi assimilada pelo presidente Lula. Após colher derrotas políticas fragorosas e permanecer no centro de uma das maiores crises da história do país, o presidente busca salvar seu mandato com ações no campo econômico. Chama a atenção o fato de o presidente se manter relativamente bem avaliado nas pesquisas de opinião mesmo com a forte crise que instalou em seu governo em meados do ano passado. O discurso da ética foi pelo ralo. Para contrabalançar, foi intensificada a estratégia de adoção de medidas assistencialistas como o Bolsa-Família, que na realidade é uma unificação e ampliação de programas que já existiam antes. O montante transferido às famílias saltou de R$ 3,4 bilhões para R$ 6,5 bilhões de 2003 para 2005. O número de famílias atendidas passou de 3,6 milhões para 8,7 milhões nesse período. E deverá chegar a 12 milhões em 2006. Na área habitacional foram adotadas medidas importantes para o setor. Em 2006 haverá expansão dos recursos para o financiamento de moradias. O montante destinado para o setor é da ordem de R$ 18 bilhões, sendo que apenas a Caixa Econômica Federal entra com R$ 11 bilhões desse total. Nunca o setor habitacional teve tanta disponibilidade de recursos financeiros. Trata-se de setor altamente absorvedor de mão-de-obra e, portanto, deverá ter impacto importante na taxa de emprego. Aos micro e pequenos empresários o agrado veio sob a forma de elevação dos limites do Simples. No ano passado os valores para o enquadramento de empresas foram reajustados em 100%, atendendo a uma justa e antiga reivindicação empresarial. Porém cumpre citar que ainda há uma grande insatisfação no tocante à elevação das alíquotas do Simples. No entanto, o fato é que muitas empresas que antes eram tributadas pelo lucro real passaram a ter a opção de recolher seus impostos por um sistema que foi avaliado pelo Sebrae como ótimo ou bom por 83% das empresas pesquisadas. Outra medida que atinge em cheio a população mais pobre é a desoneração do IPI incidente sobre a cesta básica de materiais de construção, em estudo no governo. Sabidamente a população de baixa renda constrói habitação por sistema de autoconstrução. Nesse caso o impacto dessa medida será rapidamente sentido pela população de baixa renda. As mais recentes ações do governo na área econômica, ou melhor, em pontos da economia que o cidadão sente rápido em sua rotina diária, são o aumento do salário mínimo para R$ 350, aumento de 75% desde que Lula assumiu contra um IPCA de 25% no mesmo período, e a correção em 8% nos valores da tabela do Imposto de Renda. Ainda que não reponha a inflação registrada em seu governo, a correção da tabela terá impacto na renda disponível dos assalariados. Convém lembrar que, para recompor os valores da tabela do IRPF com base no IPCA, a atualização deveria ser de 13% quando se considera o período de 2003 a 2005 e de 58% de 1996 em diante. O presidente Lula luta por sua sobrevivência política e age deliberadamente para aumentar seu cacife eleitoral. Fica a cada dia mais evidente que a podridão moral não é privilégio exclusivo do governo, como bem demonstram as novas listas de caixa dois de Furnas e os mal disfarçados acordos nas CPIs entre governo e oposição para se protegerem mutuamente dos respingos do lamaçal de corrupção e mentiras que estão vindo à tona. A questão ética nas próximas eleições fica cada dia mais enfraquecida e poderá não ser a arma letal que a oposição pensou que poderia ser. Mesmo com a sensação de que o PT é igualzinho aos outros partidos que já estiveram no poder, as eleições podem ser decididas por medidas econômicas como as que o governo vem adotando. A população pobre que recebe recursos do governo, o cidadão que tem mais chance de conseguir realizar o sonho da casa própria, o pequeno empresário que passa a gastar menos com imposto, o trabalhador que é beneficiado com ganho real no salário mínimo e paga menos pela cesta básica de construção e o empregado formal que embolsa um pouco mais de dinheiro por conta de ter menos salário retido na fonte podem fazer a diferença e confirmar que a economia é que faz a diferença na hora de depositar o voto na urna. Na economia Lula está errando muito no atacado, mas acerta no varejo. Isso pode lhe dar mais quatro anos de governo.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.

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