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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Bird e o peso morto tributário


O banco mundial divulgou um estudo intitulado "Doing Business in 2006: Creating Jobs", em que a instituição apura o grau de facilidade para concretizar negócios em 155 países. A situação brasileira no estudo é vexatória. O país ficou na 119ª posição, atrás de Argentina, Chile, Rússia, Índia, China e África do Sul, economias emergentes que disputam investimentos estrangeiros com o Brasil. É no campo tributário em que residem os maiores entraves aos negócios na economia brasileira, segundo o estudo do Banco Mundial (Bird). Em termos do tempo necessário para apurar e pagar impostos, assim como para cumprir as obrigações acessórias, o Brasil é o pior entre os 155 países avaliados, ao exigir que uma empresa de médio porte gaste 2.600 horas por ano. Esse número leva em consideração apenas tributos como ICMS, IRPJ e INSS. O PIS/Cofins, a CSLL e o IPI, por exemplo, não estão computados. Os dados do Banco Mundial permitem fazer uma aproximação do custo da burocracia para o setor produtivo. Considerando somente as cerca de 840 mil empresas que apuram o Imposto de Renda por meio do lucro real ou presumido e levando em conta apenas o tempo gasto com o IRPJ (736 horas) e o INSS (491 horas), a estimativa é que isso implique um custo de quase R$ 50 bilhões/ano quando adotada a hipótese factível de que cada empresa tenha um contador recebendo três salários mínimos, com encargos. Em suma, considerando menos de um terço das empresas e apenas dois impostos, o tempo gasto com a burocracia tributária no Brasil chega a quase 3% do PIB (Produto Interno Bruto). Um patamar impressionante, que, caso contemplasse todas as empresas e todos os tributos, poderia ultrapassar os 7% do PIB estimados em uma tese apresentada na FEA/USP por Aldo Bertolucci (uma contribuição ao estudo da incidência dos custos de conformidade às leis e disposições tributárias: um panorama mundial e pesquisa dos custos das companhias de capital aberto no Brasil) e que confirma o absurdo peso morto tributário para o qual tenho chamado a atenção desde 1990. A título de comparação, vale ressaltar que nos países emergentes que disputam investimentos com o Brasil o tempo anual gasto com a burocracia é muito menor. Na Argentina, são 615 horas; no Chile, 432 horas; na China, 872 horas; na Índia, 264 horas; na África do Sul, 350 horas; e na Rússia, 256 horas. Quanto ao montante de tributos pagos em relação ao lucro bruto, o estudo do Banco Mundial revela ainda que o Brasil extrai significativamente mais que os países emergentes. O relatório do Banco Mundial é mais uma constatação de que o sistema tributário brasileiro é uma aberração. O elevado desembolso tributário somado à burocracia trava a atividade produtiva e espanta investimentos estrangeiros. Não é à toa que nos últimos dez anos os investimentos no Brasil não atingiram 20% do PIB, enquanto na Rússia, na Índia e na China a taxa tem sido superior a 30% do PIB. O Brasil, com sua estrutura de impostos pesada e cara, está cada vez mais distante dos países emergentes, que contemplam ônus tributário mais suave. Isso fica evidente no levantamento do Banco Mundial e surge num momento propício para que os políticos e os eleitores reflitam sobre a necessidade de colocar a questão na agenda do próximo governo. Já passou da hora de o Brasil fazer uma reforma tributária que simplifique a estrutura, reduza o ônus sobre os agentes produtivos e capture a informalidade. Porém, se depender dos dois principais candidatos à Presidência, isso não será possível de ser alcançado. Um não se compromete em levá-la adiante e o outro defende a manutenção de uma estrutura burocrática. O Brasil só vai se juntar aos países emergentes quando começar a desburocratizar seu sistema tributário, universalizar a base de contribuintes e automatizar a cobrança de impostos. A única base que permite atender essas diretrizes é a movimentação financeira. Mas, já que Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin não estão comprometidos com esse projeto, que tiraria o país da posição apontada pelo Bird, a saída é mobilizar a sociedade. Nesse sentido, a Associação Contribuinte em Ação iniciou um movimento visando obter 5 milhões de assinaturas para a convocação de um plebiscito, em que a população será consultada a respeito do projeto do Imposto Único Federal. A meta será criar 50 mil fundadores do movimento em todo o país.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

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