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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

China: ajuste ou crise?


Na terça-feira, uma crise financeira originada na China atingiu as Bolsas de Valores em todo o planeta, causando quedas comparáveis às verificadas após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Até o momento, a repercussão do estouro da Bolsa de Xangai continua reverberando em cadeia por todos os continentes. O que muitos afirmaram que poderia ser um fato passageiro e de impacto declinante ao longo dos dias seguintes acabou revelando possuir uma capacidade de contágio e de difusão que justifica a questão colocada agora perante todos nós: o mundo está passando por um ajuste, possivelmente saudável e necessário, ou corre-se o risco de surgimento de uma crise financeira global, com repercussões no Brasil? Poucos arriscariam uma resposta taxativa a essa questão. É importante saber que o mundo globalizado pode fazer com que uma economia estruturalmente saudável e com bons fundamentos macroeconômicos seja arrastada por uma crise totalmente alheia a qualquer causa interna. A evolução das Bolsas no Brasil, por exemplo, já não reflete apenas as avaliações fundamentalistas feitas por auditores e analistas de mercado com relação à eficiência, produtividade e lucratividade das empresas nacionais. Em longo prazo, a correlação entre preços de ativos e seus fundamentos mostram evidentemente uma maior correlação. Mas cada vez mais são as avaliações e as estratégias de investidores estrangeiros que determinam a evolução dos preços desses ativos, seguindo uma nova lógica globalizada. Ajuste ou crise? É sabido que a economia chinesa adquiriu grande importância como condutora da economia mundial. Seu gigantesco mercado interno, seus “greenfields” totalmente abertos a receber novos investimentos, seus custos de mão-de-obra competitivos e a pressão que exerce nos mercados internacionais de insumos e commodities fazem com que o mundo caminhe cada vez mais no ritmo ditado pela China. A importância dos EUA é preponderante, mas se trata de uma economia madura e que foi capaz de ajustar sua política econômica de forma a evitar que a bonança dos últimos anos termine em crise recessiva profunda. Nesse sentido, mudanças súbitas de rumo na economia mundial devem vir mais provavelmente da China e de alguns outros países emergentes importantes.


E quando se fala em China, quem a controla? As decisões econômicas são políticas, os mercados ainda são incipientes, e a insegurança é enorme. Os analistas estão prevendo, há meses, o estouro da bolha nos preços dos ativos chineses. Apesar do crescimento espetacular da China nos últimos 20 anos, seus fundamentos começam a preocupar. Os salários estão aumentando cerca de 10% ao ano; a inflação está em elevação, embora ainda em patamares baixos, de 2% a 3% ao ano; a moeda continua desvalorizada; as reservas atingem US$ 1 trilhão e, mesmo que represadas no financia mento do déficit americano, são constante fonte de dúvidas e incertezas para a estabilidade mundial. A qualidade dos créditos e a exposição ao risco preocupam. Os marcos regulatórios financeiros são precários, e surgem demandas por ações corretivas por parte do governo. Contudo o fator causal mais evidente para a atual instabilidade na China é o excesso de liquidez causado pelos juros reais negativos. A inflação nos preços dos ativos, inclusive imobiliários, é uma realidade que as recentes elevações das reservas bancárias não controlaram. Se os incidentes de Xangai na terça-feira se transformarão ou não em uma crise mundial dependerá de como as autoridades reagirão ao excesso de liquidez. A tradição indica que a resposta para evitar a bolha especulativa que acometeu aos chineses poderá ser prioritariamente regulatória, com maiores controles e aperfeiçoamentos institucionais. Porém se a dose das medidas restritivas, como a imposição de maior tributação e a elevação dos juros, for excessiva, sempre haverá o risco de uma desaceleração mais forte da economia chinesa, o que poderá, com o enfraquecimento da economia norte-americana, dar início a uma gripe recessiva que certamente se transformará em uma pneumonia dupla para países emergentes como o Brasil.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

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