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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O império da Lei

Advogados especializados acham que o julgamento dos acusados pelo animalesco assassinato da pequena Isabella levará de três a quatro anos para ser concluído. O acusado de ser o mandante do assassinato da religiosa Dorothy Stang no Pará acabou de ser inocentado pela Justiça, contrariando todas as expectativas e as provas apresentadas. O caso da morte da jornalista Sandra Gomide levou quase seis anos para ser julgado e o assassino ainda pôde recorrer em liberdade. Invasores de propriedades agem livremente, como os sem-terra, os sem-teto e outros sem-vergonha. Em nosso país, essa lista macabra é interminável. Mas por que falo sobre essas coisas em uma coluna econômica? Um dos grandes desafios para os economistas, desde a economia política dos mercantilistas, dos fisiocratas e dos clássicos como David Ricardo, Malthus e Adam Smith, seguidos por Kuznets, Solow, Galbraith, Kindleberger, North, Celso Furtado, Arrow, Barro, Alesina, Rodrik e tantos outros, tem sido encontrar as causas do crescimento econômico. Acreditou-se inicialmente que seria causado pela disponibilidade de recursos naturais. Mas ao longo da história do pensamento econômico essa questão tem gerado várias outras explicações, todas não plenamente satisfatórias, entre elas a oferta de alimentos, a taxa de natalidade, o progresso tecnológico, as taxas de poupança e investimento, o capital humano e várias outras causas. Mais modernamente, os economistas se encontram debruçados, e convencidos, de que a causa eficiente do crescimento econômico pode ser encontrada nas instituições, mais especificamente no que chamam de “rule of Law” (império da Lei), de segurança jurídica, de estabilidade institucional etc. Recente reportagem publicada na revista “The Economist” de 15 de março apresenta uma excelente síntese desse tema e analisa o potencial explicativo dessas variáveis institucionais, bem como a polêmica causada por algumas limitações desses conceitos. Resumidamente, o “state of the art” nesse texto afirma que, se as regras e as instituições são instáveis e ineficientes, a política macroeconômica torna-se menos eficaz e não produz os resultados esperados. Os exemplos lembrados são os países da ex-Cortina de Ferro, que logo após a democratização adotaram políticas econômicas corretas com grande rapidez, mas com resultados pífios dadas as falhas de governança, a má qualidade da burocracia pública e a pouca confiabilidade institucional vigentes durante sua implementação. No rol de causas institucionais do crescimento, incluem-se fatores como ética, moralidade publica e privada, segurança pública, agilidade e rapidez no funcionamento do sistema judiciário, garantias de direito de propriedade, direitos humanos, respeito ambiental e muitos outros temas correlatos. Os fatos que ocorrem no Brasil com trágica regularidade nos fazem questionar até que ponto o país está institucionalmente preparado para oferecer aos cidadãos uma vida sob o império da Lei, com segurança institucional e respeitos aos direitos coletivos e individuais. O noticiário dos jornais é desapontador. Temo que ainda tenhamos um longo caminho a percorrer e que as bases de um crescimento auto-sustentado ainda não estejam firmemente implantadas.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.

Publicado na Folha de S. Paulo: 12/05/2008

Publicado na Consulex: 15/07/2008

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