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  • Marcos Cintra - Revista Conjuntura Econômica

Orçamento 2017: impacto na ciência, tecnologia e inovação

Marcos Cintra

Professor titular da Fundação Getulio Vargas e presidente da Finep

(Financiadora de Estudos e Projetos).


A ciência, a tecnologia e a inovação são instrumentos fundamentais para o desenvolvimento, o crescimento econômico, a geração de emprego e renda, a democratização de oportunidades e até mesmo a manutenção da soberania de uma nação. Além disso, determinarão o modo de vida e os padrões de comportamento da sociedade futura.


Essa é uma questão de Estado, que ultrapassa ideologias ou governos. O papel da inovação como motor do crescimento e como explicação relevante para as diferenças nas taxas de crescimento e nos níveis de renda entre os países está definitivamente estabelecida na literatura especializada, agindo principalmente por intermédio dos seguintes canais:


Empresas inovadoras crescem mais aceleradamente, tanto em termos de faturamento quanto de geração de empregos, e oferecem postos de trabalho de melhor qualidade.


A inovação tecnológica e os gastos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) aumentam as chances de a empresa ingressar no mercado internacional, ampliando o volume de exportações e a integração nas cadeias globais de produção industrial.


Estados Unidos e Alemanha têm liderado essas tecnologias, com forte interação entre centros de pesquisa e o setor produtivo, além do grande apoio e liderança de seus governos. Esse novo paradigma já vem influenciando fortemente a dinâmica das cadeias globais de valor, com fortes impactos econômicos e sociais. Fábricas automatizadas e robotizadas demandam cada vez menos mão de obra, direcionando a produção com tecnologia avançada para países com melhor formação de mão de obra, deixando de ser atraída pelos baixos custos do trabalho.


A Nike, por exemplo, cuja produção está quase totalmente direcionada à Ásia, recentemente montou uma fábrica nos Estados Unidos com a utilização desses conceitos. Outras empresas, como Apple e GE, estão retornando aos EUA por conta dessas tecnologias.


Sem investimentos significativos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), perderemos essa corrida tecnológica, e consequentemente nossa posição em setores como o aeronáutico, o agronegócio e o automobilístico, além de outras tecnologias promissoras, como bio e nanotecnologia, medicina personalizada, telemedicina, energia renovável e economia criativa, que são exemplos das principais tendências mundiais.


Um tratamento não prioritário à CT&I nacional significaria andar na contramão das tendências dos principais países, e pior, arriscar jogar fora parte dos investimentos já realizados na constituição de modernas infraestruturas de pesquisa e de grupos e redes de pesquisa, uma vez que esses investimentos, por serem dinâmicos, ao se verem freados ou mesmo paralisados, não serão retomados de modo eficaz.


É importante entender que há uma diferença fundamental entre investimentos em CT&I e gastos públicos convencionais. Cortes de gastos convencionais, como investimentos em infraestrutura, por exemplo, têm efeito semelhante ao de uma corrida em que a velocidade do atleta é reduzida, mas a linha de chegada continua à vista. Uma eventual reaceleração do corredor é capaz de recuperar a defasagem causada pela perda momentânea de velocidade, levando-o à linha de chegada.


Em CT&I, o impacto é diferente. A corrida se dá em pista escorregadia e pedregosa, na qual a linha de chegada é mutante. Ela se desloca rápida e permanentemente em direção imprevisível. Qualquer desaceleração do corredor pode fazê-lo perder sua posição no pelotão de frente, e consequentemente perder de vista a linha de chegada.


Essa peculiaridade da CT&I a coloca em situação semelhante à reconhecida pela sociedade nos setores de educação e saúde, cujos dispêndios acham-se protegidos de cortes lineares de disponibilidade orçamentária. Trata-se de um conjunto de competências e atividades que possuem fortes externalidades econômicas e sociais a ponto de justificarem a firme participação governamental no direcionamento e financiamento de suas ações estratégicas.


Não obstante tais características diferenciadoras, o setor de CT&I ainda não foi reconhecido pela sociedade brasileira como um elemento estratégico na configuração das economias mundiais e na organização social das sociedades do futuro.


Importância do FNDCT

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) é o principal fundo de financiamento à CT&I no país. Seu apoio tem possibilitado o desenvolvimento de um conjunto de pesquisas relevantes em diferentes setores e segmentos produtivos, além do aumento da competitividade de empresas nacionais. Na área de saúde, por exemplo, o apoio do Fundo está permitindo o desenvolvimento de pesquisas para a prevenção e a cura dos efeitos do vírus da zika, além do desenvolvimento de medicamentos e vacinas cada vez mais necessários e acessíveis à população.


Os principais casos de sucesso tecnológico do país dependeram em grande medida do apoio do FNDCT e da Finep, e da ação colaborativa entre a pesquisa acadêmica e o setor produtivo. No caso do segmento aeronáutico, por exemplo, ao longo dos últimos 15 anos, foram estabelecidos mais de 50 convênios entre a Finep e o ITA, totalizando mais de R$ 120 milhões, que permitiram que a instituição tivesse as condições de realizar pesquisas de ponta em conjunto com o setor produtivo. Para levar as tecnologias geradas por essas e demais pesquisas ao mercado, a Finep estabeleceu mais de 20 contratos com a Embraer ao longo deste período, totalizando mais de R$ 600 milhões,1 que permitiram novas tecnologias para modelos como os Phenom 100 e 300, os Legacy 450 e 500, e o KC 390, assegurando capacidade competitiva à empresa e a geração de empregos no país.


O mesmo se pode dizer em relação aos segmentos do agronegócio, petróleo e gás e biocombustíveis. Os recursos disponibilizados pela Finep e pelo FNDCT permitiram que o país fosse um dos principais líderes tecnológicos mundiais nestes setores.


São muitos outros casos de sucesso. O apoio do Fundo e da Finep está também permitindo o desenvolvimento de projetos como o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), que levará internet banda larga para todo o país e garantirá comunicação segura ao governo brasileiro. Sem falar em projetos laboratoriais estruturantes como o Sirius, o Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), o Super Computador Santos Dumont, a Torre Alta de Observação da Amazônia, o Navio de Pesquisa Hidroceanográfico, além do apoio a centenas de importantes projetos em setores como energia, telecomunicações, semicondutores, química e defesa, entre outros.


As restrições orçamentárias ao FNDCT previstas pelos anos à frente reduzem a capacidade do país de implementar os avanços científicos e tecnológicos atinentes ao momento e, ao mesmo tempo, impedem o Brasil de acompanhar a fronteira tecnológica em temas-chave.


Em nanotecnologia, por exemplo, o apoio do FNDCT conseguiu criar uma boa infraestrutura de pesquisa, além da formação de recursos humanos nas universidades e centros de pesquisa. Contudo, a redução dos recursos de subvenção econômica impediu que o próximo passo fosse dado e que as empresas fossem apoiadas para utilizarem estas capacitações para chegarem a produtos utilizando recursos nanotecnológicos.


Em relação à indústria 4.0, apenas o FNDCT, com seu volume, seus instrumentos e sua capacidade de mobilização, pode apoiar no volume necessário os diferentes tipos de instituições (universidades, ICTs e empresas) que precisam ser mobilizados para colocar a indústria nacional mais próxima da fronteira internacional. Para isso, é preciso construir infraestruturas de pesquisa sofisticadas que possam dar suporte à formação de pessoal e à produção de conhecimento que a indústria possa usar para diminuir o custo de desenvolvimento e a introdução de inovações em seus processos.


Apesar de sua importância fundamental, os recursos disponíveis para a atividade no país têm sido cada vez menores. O FNDCT possivelmente terá em 2017 o seu segundo menor orçamento nos últimos 12 anos, em termos reais, conforme visto no acima.


Além da menor disponibilidade de recursos, o que chama atenção é a abrupta queda em sua disponibilização. Em termos reais, por exemplo, o orçamento previsto para 2017 equivale a um terço do orçamento de 2010. O contingenciamento dos recursos do FNDCT, limitando severamente sua utilização em sua finalidade precípua, configura brusca limitação, beirando a inviabilização do progresso da ciência, tecnologia e inovação no Brasil.


Infelizmente, tudo indica que a agenda de ações previstas será dramaticamente reduzida, com prejuízos incalculáveis para o país.


Com certeza, não há como deixar de apoiar o esforço do governo no equacionamento dos severos desequilíbrios fiscais gerados ao longo dos últimos anos. Sua imediata correção é fator de sobrevivência econômica e da criação das precondições para a retomada do crescimento e desenvolvimento nacionais. Contudo, há que se usar réguas distintas para situações desiguais, sob pena de inviabilizar em definitivo o posicionamento do Brasil entre as economias que se inserirão no rol daquelas que irão liderar o novo mundo da quarta revolução industrial que surge no horizonte.


Não serão perdidos apenas alguns momentos oportunos e recuperáveis, mas algumas gerações que serão privadas dos benefícios da nova economia do conhecimento que passará alhures, distantes de nossa realidade concreta.



¹A maior parte em recursos de crédito – R$ 526 milhões.


Fonte: Finep.



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