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  • Marcos Cintra - Valor Econômico

Finep e o BNDES são indispensáveis para o país

Debates sobre a melhoria da gestão pública tomam as páginas da grande imprensa e é natural que haja alguma polêmica, dadas as diferentes perspectivas que se apresentam. Entre elas, causa surpresa a opinião do economista Nilson Teixeira, que defende a absorção da Finep pelo BNDES em artigo publicado em 17/1/17. Não é uma ideia nova, já manifestada em outro artigo do mesmo autor, publicado em agosto do ano passado com o título de "Privatizações reduziriam subsídios". Trata­-se de um viés racional­gerencialista que pretende eliminar a possibilidade de sobreposição dos apoios concedidos pelo Estado. Há mérito, mas não se pode dar crédito à proposta, dados os modelos institucionais que estão postos. O BNDES é um banco. Tem um ethos que prioriza o financiamento público para a reprodução do capital, contribuindo para o crescimento econômico e a geração de empregos com a aplicação de modelos que concedem estímulos para que o empresariado aceite se sujeitar ao risco econômico inerente aos seus investimentos. Não há outra instituição que exerça as atividades de financiamento à ciência, tecnologia e inovação. A Finep é uma agência de fomento. Seus financiamentos lidam com o mesmo risco econômico, mas acrescido das incertezas tecnológicas dos projetos apoiados. Desde 1967, a Finep se notabiliza por financiar o futuro: investimentos em novas áreas de conhecimento, novos mercados, novas tecnologias. É essencial para o investimento na infraestrutura de pesquisa nacional, e seu trabalho promove sinergias com o CNPq, as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa e outras instituições públicas federais e estaduais. Além disso, a Finep exerce um papel indutor, aproximando a Universidade e a Indústria para viabilizar o desenvolvimento de inovações que não seriam concretizadas de forma espontânea. O BNDES se concentra majoritariamente no financiamento ao investimento em infraestrutura, seja ela pública (saneamento básico, escolas, portos) ou privada (expansão produtiva). A Finep, por sua vez, corre riscos e se sujeita às incertezas inerentes aos desafios tecnológicos da inovação de seus projetos apoiados. Tem seus processos internos orientados para isso, e sabe lidar com os revezes que podem ocorrer quando, a despeito do empenho e boa­fé das organizações apoiadas não geram os retornos esperados. Ao longo dos anos, a Finep trilhou uma trajetória de especialização no fomento a tecnologias e indústrias nascentes, permitindo o desenvolvimento de programas de apoio por meio do financiamento subsidiado a empresas, da concessão de subvenção econômica à inovação, da participação societária em empresas nascentes, do financiamento à infraestrutura de pesquisa científica e tecnológica e da promoção da cooperação internacional entre instituições de pesquisa e empresas. As relações firmadas ao longo do tempo permitiram a construção de competências para harmonizar os interesses da academia e da indústria, algo que é crítico para estimular o fortalecimento do Sistema Nacional de Inovação e de difícil transferência para outra instituição. A eliminação de eventuais "redundâncias" no esforço público, portanto, traria prejuízos terríveis, provocando retrocessos graves à ciência, tecnologia & inovação no Brasil. Ademais, o apoio conjunto de projetos entre BNDES e Finep é virtuoso, pois os empreendimentos em questão são submetidos ao escrutínio de equipes técnicas que obedecem a critérios de seleção e acompanhamento distintos. A ameaça da sobreposição de financiamentos é mitigada pela própria articulação entre as duas estatais, tal como vem sendo praticado de forma mais intensa nos últimos anos, com a formulação de programas de apoio conjunto a diversos setores da economia, tais como o complexo da saúde, a cadeia de petróleo & gás, o segmento de energias renováveis, a indústria química e outros. É bom relembrar que a Finep se desmembrou no passado do BNDES para apoiar a comunidade acadêmica e a engenharia nacionais. Passados cinquenta anos desde então, não há qualquer indício de uma menor relevância da sua missão original. Não há outra instituição no Estado brasileiro que exerça as atividades de financiamento à ciência, tecnologia & inovação como o a Finep. Também não diminuiu a relevância nos projetos que são desenvolvidos por seus beneficiários. Se houver movimento no Governo para uma racionalização das funções, é mais adequado considerar a transferência da carteira de projetos de inovação do BNDES para a Finep, e não o contrário. É reconhecida a competência do maior banco público do país, mas há que se refletir em como preservar a sua atuação sob uma tensão interna entre os projetos de inovação apoiados e os demais investimentos, para que não sejam todos submetidos à lógica da reprodução do capital que deve proteger a sua carteira. Sim, é preciso ter cuidado para não haver sobreposição nos apoios concedidos. Mas o Brasil não pode andar na contramão da história. Entre as economias mais avançadas onde o setor financeiro privado é capaz de oferecer financiamentos a taxas próximas de zero, há aquelas que não dispõem de um banco público de investimento, mas nenhuma dispensa a existência de uma agência de inovação. No Brasil, o BNDES é indispensável para apoiar o investimento, assim como a Finep é indispensável para o apoio à academia e à indústria para o fomento a ciência, tecnologia & inovação.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.



Publicado no Jornal Valor Econômico: 10/02/2017

Publicado no Jornal SPNorte: 24/02/2017

Publicado no Jornal A Gazeta Regional (Caçapava-SP): 24/02/2017


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