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  • Marcos Cintra - O Globo

Ingenuidade e risco


O governo defende a proposta de legalização de recursos não declarados detidos por brasileiros no exterior. O objetivo é tentar melhorar as contas públicas em 2016. O Planalto atira para todos os lados em busca de recursos para ajustar o Orçamento para o ano que vem. No caso desse projeto, que prevê uma multa para quem regularizar dinheiro ilegal fora do país, é impossível saber quanto ele pode gerar de receita. As previsões do Planalto falam em números que provavelmente não passam de chutes. Vão de R$ 50 bilhões a R$ 200 bilhões. A estimativa mais pessimista já seria espetacular, porque cobriria o déficit de RS 30,5 bilhões do Orçamento de 2016 e ainda sobraria para alcançar mais da metade dos R$ 34,4 bilhões de superávit primário que a equipe econômica busca fazer no próximo ano. Dizem alguns adivinhos que o montante de recursos brasileiros ilegalmente transferidos ao exterior atinge um saldo de US$ 500 bilhões. Ninguém sabe. Uma estimativa da Global Financial Integrity, divulgada no relatório “Brazil: Capital flight, illicit flows, and macroeconomics crisis, 1960-2012” afirma que o fluxo financeiro ilícito entre 1960 e 2012 somou US$ 401,6 bilhões. De modo geral, os recursos acumulados no exterior vêm sendo transferidos irregularmente há décadas, tendo como causas incerteza política, insegurança institucional, falta de confiança, má gestão pública e abusivo sistema tributário vigentes no país. Sem falar em atividades criminosas mais pesadas como tráfico de drogas, de armas, contrabando, roubos, corrupção etc. A proposta que está no Congresso pretende anistiar, de forma onerosa, casos de sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, crime de descaminho, falsificação de documentos e falsidade Ideológica. Aqui reside urna fonte de enorme confusão, pois o projeto exige que a origem dos recursos ilegais a serem declarados seja comprovada. Mas como tipificá-los claramente, vez que em geral são ações complexas que envolvem diversas ilegalidades conjuntamente? Como saber ao certo se recursos sob o rótulo, por exemplo, de lavagem de dinheiro ou falsidade ideológica não carregam, total ou parcialmente, operações envolvendo tráfico de drogas ou corrupção em instâncias governamentais? Ademais, quem praticou atos ilícitos vai aceitar correr o risco de ficar marcado como um criminoso que “comprou” a regularização de seus atos passados? A confissão de prática de ilegalidades, mesmo que anistiadas, traz consigo a possibilidade de denegrimento de imagem, sem falar na perspectiva das pessoas ou empresas envolvidas passarem a ser alvos preferenciais de futuras ações de fiscalização. O projeto de legalização de dinheiro no exterior terá resultado pífio e envolve risco. É um delírio a estimativa de arrecadação que vem sendo anunciada com as multas. E a dificuldade para apurar com exatidão a origem de recursos pode tornar legal dinheiro de atividades como corrupção em órgãos públicos e tráfico de drogas.


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