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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Dá para salvar a reforma tributária?

O projeto de reforma tributária foi objeto de acirradas críticas e controvérsias. O substitutivo do relator, aprovado com meu voto contrário, foi mal recebido, particularmente pelo governo, que o rechaçou de pronto. Suas falhas eram gritantes. Para viabilizar a continuidade da reforma, foi criada a comissão tripartite, formada por representantes de União, Estados e deputados. Hoje, ao se falar no assunto, a referência é o projeto da comissão tripartite, que, ao que se sabe, é tímido e conservador e avança pouco nos quesitos fundamentais de uma autêntica reforma tributária, como simplicidade, desburocratização, combate à corrupção e à sonegação e, sobretudo, redução da carga tributária dos atuais contribuintes mediante a taxação da economia subterrânea. Mas não se pode ignorar que o projeto da comissão tripartite revela importantes avanços, tais como a simplificação da legislação uniforme do ICMS em todo o país e o efeito redistributivo da receita fiscal aos Estados mais pobres, com a mudança do princípio da origem para o destino. A principal característica do novo ICMS é sua maior abrangência, com a incorporação dos serviços em sua base de tributação. Como compensação, oferece-se aos municípios novo imposto, sobre as vendas no varejo (IVV). Nesse ponto, instala-se enorme polêmica. Os municípios perdem a base "serviços", em expansão. O IVV como sucedâneo arrecadatório é um salto no escuro. Além disso, perduram outras questões básicas a ser resolvidas. Uma é a forte e iníqua elevação de carga tributária do setor serviços, intensivo em mão-de-obra, decorrente de sua incorporação na base de incidência do novo ICMS e do IVA federal. O outro refere-se à percepção popular sobre a reforma. Para a maior parte dos cidadãos, não haverá diferenças significativas no relacionamento com o fisco. Para eles, a reforma será tecnocrática, quase imperceptível, incapaz de empolgá-los, como seria desejável. Um caminho capaz de resolver esses problemas é a proposta de desonerar a folha de pagamento das empresas, mediante a extinção das contribuições patronais ao INSS. Importa apontar que a folha de salários nos setores prestadores de serviços alcança de 40% a 70% de seu faturamento, caso em que a contribuição patronal ao INSS, de 20% a 22% sobre a folha, corresponde a encargos que variam de 8% a 15,4% do valor do faturamento dessas empresas. Para elas, a desoneração da folha seria a justa compensação por sua incorporação à base do novo ICMS. A proposta foi levantada na comissão especial da Câmara dos Deputados. O presidente Germano Rigotto nomeou um grupo para discutir a proposta com o governo. Composto pelos deputados Fetter Júnior, Walfrido Mares Guia, Roberto Argenta, Alberto Mourão e por mim, o grupo vem desenvolvendo a proposta, que poderá ser importante catalisador de apoio popular para a reforma. Nesse sentido propõe-se a introdução do Imposto Social, incidente sobre as transações financeiras, com alíquota de 0,6%, capaz de gerar volume de recursos equivalente ao arrecadado pelo INSS sobre a folha de pagamento das empresas (R$ 28 bilhões). Uma mera substituição de fontes em nada alteraria a destinação dos recursos recebidos, inclusive os referentes ao salário-educação e ao "sistema S". Aqui, há que tornar imunes do Imposto Social as operações nos mercados financeiros e de capitais, particularmente os valores objetos de transações nas Bolsas, uma cautela imprudentemente ignorada pelo governo e motivo de grande celeuma na introdução e sucessivas prorrogações da CPMF. Além disso, haveria, ainda, que estabelecer limites, definidos em lei, acima dos quais só teriam validade legal as transações que passarem pelo sistema bancário nacional, como forma de garantir a manutenção da base de incidência e do potencial de arrecadação do novo tributo. Em linha com esse propósito, a emissão de cheques e de qualquer outra espécie de ordem de pagamento seria obrigatoriamente nominativa e não-endossável. Vale ainda enumerar: o estímulo à demanda por trabalho, com inversão da acentuada tendência de terceirização causada pelos encargos trabalhistas; o combate ao desemprego e subemprego; o incentivo à formalização das relações trabalhistas, com extensão das garantias previdenciárias a todos os trabalhadores; a redução dos custos de produção e de sua contrapartida inflacionária; maior competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo, com a substituição da contribuição patronal ao INSS não-desonerável nas exportações pelo Imposto Social, que permite plena desoneração; possibilidade de aumento salarial em todos os setores, possível se os salários fossem aumentados ao menos na proporção da alíquota do imposto incidente sobre a movimentação financeira dos assalariados, de modo a evitar ônus para o trabalhador. E, finalmente, a desoneração da folha de salários poderá trazer apoio popular para a reforma tributária, sem o qual ela periga não prosperar.

 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).

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