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  • Marcos Cintra

O IVA à luz de Roberto Campos

Políticos e economistas têm se manifestado quanto à possibilidade de avanço da reforma tributária no Brasil. Alguns consideram que o país estaria atualmente mais próximo de implementar um projeto amplo desde que o assunto entrou em pauta no início dos anos 1990. Nesse cenário nota-se o alvoroço dos que defendem a unificação de tributos sobre o valor agregado, o que daria origem a um IVA federal como vem propondo o relator da Comissão Especial de Reforma Tributária na Câmara dos Deputados, Luiz Carlos Hauly.

Ótimo que a reforma tributária voltou à agenda nacional. Porém, estamos enfatizando, de novo, um projeto que pode ter o mérito de simplificar nossa burocrática estrutura de impostos e contribuições, mas que não é eficaz na solução de um problema gritante que é a evasão de receita pública e suas consequências nefastas para a equidade na distribuição do ônus entre os contribuintes e para a concorrência empresarial.

O IVA facilita a rotina administrativa do governo e das empresas por juntar alguns tributos sobre uma mesma base de cobrança. Porém, o fato de ser um tributo declaratório que exige uma alíquota elevada o torna um estimulante e um facilitador de ações visando reduzir, geralmente de modo ilegal, o imposto a pagar por parte de muitos contribuintes.

Cumpre dizer que a insistência em colocar novamente o IVA como projeto para o Brasil se dá no ano do centenário de nascimento do implantador dessa sistemática tributária na economia brasileira. No final dos anos 1960, Roberto Campos, um dos mais profícuos pensadores brasileiros, adotou a tributação sobre valor agregado no país, algo que para a época representou uma inovação impactante para a economia nacional, contribuindo para o chamado “milagre econômico”.

A partir dos anos 1980, Campos começou a criticar a administração pública brasileira. Um dos principais focos de suas análises passou a ser o sistema tributário que ele mesmo ajudara a criar e que, segundo sua avaliação sempre lúcida, havia se transformado em um grande obstáculo para o desenvolvimento econômico do país.

No final dos anos 1990, discutia-se a reforma tributária na Câmara dos Deputados e sua reação à proposta de criar um grande IVA foi analisada em um artigo publicado pela Folha de S.Paulo em 12 de setembro de 1999, intitulado “Como sair do manicômio fiscal”, no qual ele diz: “Há algum tempo, pensava eu ser urgentíssima a desconstrução do nosso manicômio fiscal para corrigir dois males principais: a sonegação fiscal,…, e o alto custo da contratação de mão de obra. Hoje há uma terceira razão, pois a globalização e a digitalização representam uma mudança de paradigma. Enfraquece-se enormemente a produtividade dos impostos clássicos sobre produção, circulação e serviços, relíquias artesanais na sociedade eletrônica. Campos conclui o artigo dizendo que o IVA “é um esforço de aperfeiçoamento do obsoleto, pois substitui o ICMS, o IPI e o ISS por um novo ICMS, sob legislação federal e partilhado com os Estados. Se o novo ICMS incorporasse adicionais para substituir as contribuições sociais – PIS, Cofins e CSSL – a atual alíquota de 17% teria de ser aumentada, estimulando ainda mais a sonegação”.

A mesma proposta de reforma tributária de quase vinte anos atrás que Roberto Campos renegou vem sendo cogitada novamente. É um dever resgatar seu pensamento no debate atual. Ao contrário do que diziam, ele era um revolucionário, um criador de paradigmas, que sempre olhava à frente com a experiência acumulada do passado.

 

Doutor em Economia pela Universidade Harvard, professor titular de Economia na FGV. Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto único. É Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).


Publicado no Jornal SPNorte: 11/10/2017

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