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  • Marcos Cintra

Bomba-relógio

A gravidade do atual quadro econômico vem sendo ocultada pela aparente tranquilidade que, mais uma vez, toma conta dos mercados financeiros e de ativos de risco, como dólar e ouro. Como ocorreu em meados do ano, as autoridades iniciaram uma vigorosa campanha de tranquilização dos agentes econômicos, amparada pela manutenção de elevadíssimas taxas de juros reais. Tal estratégia se revela relativamente eficaz no curto prazo, único horizonte que parece interessar ao que resta do governo Sarney. Contudo, aumenta o risco de que ao vencer uma batalha, se perca fragorosamente a guerra antiinflacionária.


Altas taxas de juros não devem ser utilizadas isoladamente. São essenciais para a manutenção da estabilidade nos mercados de títulos públicos. Porém, devem ser acompanhadas por medidas rigorosas de ajustamento fiscal.


O governo central transfere ao setor privado, por meio de encargos da dívida pública mobiliária federal, proporções crescentes do PIB. No período de janeiro a julho, equivalia a 1,58%; passou para 2,45% nos meses de janeiro a agosto e para 5,68% de janeiro a outubro. Praticamente triplicou em menos de seis meses. Nos mesmos intervalos de tempo, o déficit operacional do governo central saltou de 1,05% do PIB para 2,45% e para 4,67%, apesar dos crescentes superávits primários estimados em 0,28%, 0,31% e 0,55%.


O aumento do endividamento governamental daí resultante foi agravado pela recente autorização para que o Tesouro se financie no mercado de títulos públicos para pagar os salários do funcionalismo, o que deverá ampliar a dívida mobiliária federal em 0,5%. Em outras palavras, para evitar que a hiperinflação estoure em suas mãos, o governo Sarney deixa para seu sucessor uma autêntica bomba de efeito retardado.


Juros elevados e aumento do endividamento podem ser necessários dentro de uma estratégia coordenada de combate à inflação, que inclua programas severos de restrição fiscal e monetária; evitam comportamento precipitado de fuga por parte dos agentes econômicos, enquanto o governo adota as medidas necessárias para permitir a reversão das expectativas inflacionárias. Da forma como vem sendo usado este instrumento, contudo, se está apenas aumentando a inflação esperada no futuro. O governo age como se dissesse ao novo presidente: "se vire."



MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico da Folha.


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