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  • Marcos Cintra

Café e laranja são 2 etapas do capitalismo



Café e laranja são dois símbolos da história econômica brasileira. Dois produtos que deixaram marcas no sistema produtivo do país e que implicaram novas tecnologias de produção, diferentes mentalidades de inserção na economia mundial e formas de gestão, pública e privada, quase antagônicas. Por isso, representam duas etapas na evolução do capitalismo brasileiro.


O significado desta diferença fica claro quando, no início da década passada, o Instituto de Economia Agrícola de São Paulo, órgão de pesquisa da Secretaria da Agricultura do Estado, mudou os critérios de classificação da produção agropecuária. Abandonou as antigas categorias produtos de exportação, produtos alimentícios e matéria-prima para a indústria e passou a agrupar os bens primários em função do grau de tecnologia empregada em sua exploração. Os produtos modernos eram a laranja, a batata, o tomate, a soja e a cana; os produtos tradicionais eram o arroz, o feijão, a bovinocultura, o leite; e os produtos de transição eram o café, o milho, o amendoim, a banana, a cebola e a mandioca.


Esta alteração é muito mais do que um mero reagrupamento administrativo ou burocrático da produção agropecuária. Reflete uma nova visão acerca do processo produtivo e de sua importância na formação de uma economia dinâmica e competitiva.


A década de 80 comprovou que a tecnologia e a competitividade tornaram-se o verdadeiro divisor de águas entre uma nova economia arcaica, tradicional, estagnada, e uma organização produtiva dinâmica, pujante e capaz de garantir níveis adequados de bem-estar à população.


A expansão da cultura do café no Brasil foi liderada por fazendeiros que na época representaram a cisão com os antigos proprietários escravocratas. Foi um movimento de modernidade, com trabalho assalariado, sistema de parceria e em articulação com uma nascente indústria de equipamentos agrícolas. Contou ainda com o capital comercial exportador, com o investidor estrangeiro na área de infraestrutura e, sobretudo, com o Estado, para garantir a consolidação e a rentabilidade do complexo agrário-exportador.


Na primeira década deste século, o Brasil atingiu dez milhões de sacas de café exportadas, com um valor entre 25 e 30 milhões de libras-ouro; nos 30 anos seguintes, as exportações oscilaram em torno de 15 milhões de sacas anuais, e os valores chegaram a 75 milhões de libras-ouro. Foi um período de fortes intervenções governamentais no sentido de expandir as receitas cafeeiras de exportação, mas que não conseguiram impedir que, ao final da década de 30, o café respondesse por apenas 15 milhões de libras-ouro nos mercados mundiais.


Contudo, apesar de seu inevitável esgotamento, o modelo foi capaz de gerar uma acumulação de capital suficiente para iniciar o Brasil em seus primeiros passos na direção de uma nova fase econômica - a da industrialização. Foi a grande fonte financiadora da construção de um amplo segmento moderno na economia brasileira.


Mas a cultura do café, ela mesma, não foi capaz de se modernizar, de se reestruturar e de se transformar para continuar sendo chamada, como antes, de condutora da economia do país.


O intervencionismo estatal se ossificou. O cafeicultor acabou sendo alijado dos processos decisórios. A política cafeeira passou para o âmbito dos gabinetes da burocracia estatal. A meta de garantir a manutenção a curto prazo das receitas da exportação permitiu que novos concorrentes se abrigassem sob a proteção custeada pelos produtores brasileiros. O café esqueceu de se modernizar, como tornara possível acontecer a vários outros setores da economia brasileira. A produção e a produtividade estagnaram, e os mercados externos se tornaram mais inacessíveis aos arábicas do Brasil.


Durante as décadas de 60 e 70, novas culturas, regidas por métodos modernos de produção e comercialização, superaram em importância econômica o antigo ouro verde; o dinamismo dos novos empresários rurais impeliu-os para novas culturas. Na década de 80, o complexo soja e "commodities" mais modernas como a laranja, tomaram a liderança no desenvolvimento da moderna agricultura brasileira. Nestes produtos, surge a marca do novo Brasil.


Entre 1952 e 1970, a produção de laranjas em São Paulo cresceu quase 1.100%, enquanto que, para efeito de comparação, a de leite aumentou 146% e a de amendoim 258%; no mesmo período, as safras de arroz e de feijão caíram 2% e 4%, respectivamente. No início da década passada, o estado de São Paulo tornou-se o segundo maior produtor de laranjas do mundo, superado apenas pela produção norte-americana.


Em 1980, as exportações de suco de laranja concentrado já significavam cerca de US$ 360 milhões; em 1984, devido às dificuldades climáticas no estado da Flórida, maior região produtora nos EUA, as exportações brasileiras chegaram a quase US$ 1,5 bilhão.


Não é apenas por meio de estatísticas de produção e de exportação que se aferem a importância e o significado desta cultura. Ela representa uma nova mentalidade por parte do agricultor brasileiro.


Enquanto que no passado as quedas nas cotações dos produtos de exportação eram imediatamente seguidas por insistentes pedidos de interferência governamental para proteger os interesses dos produtores, os modernos citricultores respondem com o aumento da produtividade, com a procura de novos mercados e com maiores investimentos.


Após 1984, ano recorde nas exportações de sucos cítricos, a produção brasileira vem buscando novos mercados e novas áreas produtoras. A Comunidade Europeia, o Japão e a União Soviética representam as mais recentes conquistas para o suco de laranja brasileiro. Por outro lado, os exportadores nacionais vêm encontrando obstáculos crescentes nestes mercados, a exemplo das tentativas da Comunidade Europeia de proteger os países produtores com quem mantêm relações privilegiadas, como suas ex-colônias.


A esses desafios, o Brasil responde aumentando seus níveis de produtividade. Abundância de terras e de mão-de-obra a custos mais baixos do que nos EUA, por exemplo, fazem com que o custo de formação de um hectare de pomares seja cerca de quatro vezes mais baixo do que na Flórida. Embora a produtividade brasileira ainda seja duas vezes mais baixa (chegou a ser quatro vezes inferior apenas 15 anos antes), a evolução dos custos de produção vem se tornando cada vez mais vantajosa para a produção brasileira.


Hoje, o Brasil lidera a produção de laranjas no mundo e continua atraindo investimentos de grandes grupos econômicos, como a Votorantim e a Cooperativa Agrícola de Cotia; e prossegue incorporando novas áreas na produção desta importante "commodity".


A laranja e o café representam, em suas respectivas fases históricas, duas trajetórias de sucesso. Porém, tentar repetir hoje a experiência do café seria tão insensato quanto haver tentado, 80 anos antes, o modelo capitalista competitivo que responde pelos avanços atuais da citricultura brasileira.


O caso destas duas culturas deve servir de exemplo para que o Brasil não se prenda a dogmas e a preconceitos. A época do intervencionismo governamental, dos cartórios e do protecionismo, já passou. Cabe agora buscar a produtividade, a eficiência e a tecnologia.


Quanto antes o Brasil aprender a lição da laranja e do café, mais cedo se tornará uma nação moderna, capaz de responder aos anseios de sua população.


O DESEMPENHO DAS CULTURAS DE CAFÉ E LARANJA

Café em grãos:


Laranja:

Fonte: IBGE


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico da Folha.


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