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  • Marcos Cintra

Economia ainda indefinida

A recente divulgação das diretrizes gerais de política econômica que orientarão o I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República contribuiu, em parte, para iluminar o panorama de incertezas que caracterizou os primeiros meses do governo Sarney. Trata-se, sem dúvidas, de uma exposição acerca dos rumos da futura política econômica brasileira, definição que vinha sendo aguardada com bastante ansiedade, não somente por causa da desorientação que, em parte justificadamente, caracterizou os dois meses iniciais de atuação da nova equipe, mas sobretudo pelo contraste entre as principais características das primeiras medidas adotadas.


Destaca-se, para uma análise mais detalhada, três significativas decisões governamentais: a adoção de rígido esquema de controle de preços, a alteração nos critérios de cálculo das correções monetária e cambial, e os cortes lineares de gastos públicos, bem como o congelamento das operações ativas dos bancos governamentais. A primeira medida denota uma visão estruturalista sobre a questão do combate à inflação. A não ser que a intenção seja simplesmente a postergação da inflação pelo represamento de custos, esta linha de política antiinflacionária reflete uma interpretação do fenômeno inflacionário calcada no poder de fixação de preços de determinados setores econômicos mais concentrados. Assim, a interferência do Estado torna-se necessária para controlar o ímpeto inflacionário gerado a partir desses setores, cujos efeitos tornam-se ainda mais perigosos dentro de uma economia altamente indexada como a brasileira. Destarte, tornou-se possível a queda da inflação em abril para 7,2%, o mais baixo índice desde maio de 1983, resultado que dificilmente será obtido nos próximos meses, mas que, inegavelmente, foi responsável pela compressão das expectativas inflacionárias que achavam-se exacerbadas nos primeiros meses do ano.


A adoção da média geométrica na determinação dos índices de correção monetária e cambial foi uma medida de cunho essencialmente financeiro, visando facilitar a colocação no mercado de títulos da dívida pública de curto prazo. Esta nova fórmula de cálculo produz coeficientes de correção monetária acima da inflação do período imediatamente anterior, quando esta última é decrescente, e vice-versa no caso de uma elevação da inflação. Assim, a justificativa financeira para a alteração ocorrida é inconsistente com a drástica redução do IGP obtida via tabelamento de preços, na medida em que produziu uma elevação real do estoque da dívida pública interna em aproximadamente 5%, ou cerca de Cr$ 5 trilhões. Destarte, na tentativa de facilitar a colocação de títulos públicos, e assim desafogar o mercado financeiro, geraram-se pressões adicionais na administração da dívida interna do governo.


Finalmente, a orientação adotada pelo governo de restringir seus gastos, como medida coadjuvante numa estratégia de austeridade monetária e controle da inflação, reflete uma concepção ortodoxa acerca das causas da elevação generalizada dos preços. Torna-se necessário, segundo ela, reduzir o nível de demanda agregada da economia, já que é ao excesso de demanda que se atribui a principal responsável pela persistência do fenômeno inflacionário. Nota-se, portanto, que ação do governo na área econômica acha-se caracterizada por diferentes dimensões doutrinárias, do que resulta enorme incerteza acerca dos rumos que deverá tomar nos próximos meses.


De certa forma, a divulgação das notas acerca do I PND da Nova República dirime algumas dúvidas que pairam no ar. O plano de estabilização apresentado adianta uma visão clara acerca dos perigos de uma abordagem excessivamente monetarista no trato da questão do endividamento do setor público; enfatiza a necessidade de sustar a tendência do Brasil tornar-se um exportador líquido de capitais para o exterior, revertendo-a mediante recurso a "dinheiro novo" nos mercados financeiros internacionais; e também realça a urgência da retomada do crescimento econômico, sugerindo inclusive, algumas linhas na política social, agrícola e industrial que deverão nortear o próximo plano de desenvolvimento. O acatamento das recomendações advindas do Ministério do Planejamento, deverá, em geral, vir de encontro às principais linhas de ação trilhadas até o momento pelos autoridades econômicas da área da Fazenda. Não se trata de confronto, ou de aberto antagonismo, mas sim de visões diferentes acerca da realidade, e sobre como combater os principais males que afligem a economia brasileira.


A título de exemplo deixarei as seguintes indagações, que indiretamente são sugeridas pelas diretrizes do I PND. Como continuar dando tratamento puramente financeiro ao "encilhamento" gerado pela rolagem da dívida pública, responsável pelas altas taxas de juros internas, e consequentemente pelo esgotamento da capacidade de investir do setor privado brasileiro? Onde chegará o endividamento do setor público se a taxa de juro real na rolagem da dívida interna situar-se em aproximadamente 20-25% ao ano, e o crescimento da economia não ultrapassar 4%, quando não é negativo? Como impedir que o serviço de uma dívida interna que exige, somente de correção monetária, cerca de Cr$ 250 trilhões, o dobro da previsão orçamentária da União, não acarrete um inexorável processo de "crowding-out" nos mercados financeiros domésticos? Como evitar que isso ocorra se somente de juros o Estado deve gastar mais de Cr$ 90 trilhões em 1985?


 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque Ph.D. em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor da Fundação Getulio Vargas/SP.



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