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  • Marcos Cintra

Irresponsabilidade fiscal

A irresponsabilidade fiscal mergulhou o país em um cenário de instabilidade econômica e baixo crescimento do PIB. Desde 2008, a credibilidade das contas públicas, conquistada com dificuldade ao longo de décadas, vem sendo destruída. Há seis anos, o governo optou por criar meios para ocultar a real situação das contas públicas. A chamada "contabilidade criativa" inventou receitas e adiou despesas na tentativa de esconder o processo de degradação orçamentária do país. Gradualmente, analistas e o mercado deixaram de acreditar no sistema de metas de superávit primário. Teria sido melhor definir um saldo primário menor em vez de insistir em subterfúgios para alcançá-lo.


A fantasia nas contas públicas atingiu uma dimensão tão calamitosa que até o Banco Central resolveu mudar o indicador fiscal em seus modelos de previsão. Em meados de 2013, o BC revelou que não utilizaria mais o superávit primário consolidado do setor público para fazer projeções. A nova variável fiscal passou a ser o superávit primário estrutural, que exclui o efeito de receitas e despesas extraordinárias, permitindo uma melhor avaliação das ações do governo.


O regime de metas de superávit primário representou um avanço para a gestão governamental brasileira, contribuindo para impor um princípio fundamental no tratamento do dinheiro público: a responsabilidade fiscal. Foi determinante para melhorar a confiança dos investidores no país, controlar a dívida pública e reduzir o risco Brasil apurado pelas agências internacionais.


Lamentavelmente, o Brasil perdeu a reputação de seriedade fiscal ao adotar inúmeras manobras contábeis para alcançar as metas de superávit primário apresentadas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Sem constrangimento, extravagâncias foram praticadas para obter o número desejado pelo governo.


Quando o governo acionou sua máquina para fazer superávit primário, gastos como os do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) foram excluídos da apuração do saldo. Isso é uma despesa pública e deveria ser abatida no cálculo do resultado das contas públicas. É difícil imaginar um argumento convincente que justifique esse tipo de manobra. A chamada "contabilidade criativa" foi mais longe ao transformar operações de endividamento em receita primária, através de operações com o BNDES, criando uma espécie de orçamento paralelo no país.


Outro ponto a ser destacado foi a utilização de receitas de concessões e o adiantamento de dividendos das estatais na apuração do saldo primário. Essas entradas esporádicas de recursos melhoraram o resultado, mas estruturalmente a situação era de fragilidade orçamentária.


A "contabilidade criativa" gerou enorme insegurança na economia, provocou desarranjos macroeconômicos e transferiu para os próximos anos os custos dos ajustes que agora precisam ser executados. A partir de 2015, a situação vai exigir ações duras, e a elevação da carga de impostos faz parte do rol de medidas.


 

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único. Atualmente, é Subsecretário de Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo.

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