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  • Marcos Cintra

Mitos no debate da reforma agrária 5


Neste último artigo da série iniciada quatro domingos atrás, comentarei a esdrúxula justificativa apresentada pelos que defendem uma política de opção preferencial pelo pequeno produtor pré-capitalista, em detrimento da exploração comercial (familiar ou não). Yoshiaki Nakano, economista da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, mostrou em artigo publicado na ”Revista de Economia Política" (julho/1981) que a taxa de retorno do setor agrícola tem sido sensivelmente reduzida pelas estruturas oligopolistas de seus mercados de insumos e de produtos, inviabilizando o processo de acumulação capitalista nas propriedades agrícolas comerciais, já que estas últimas mostram-se incapazes de gerar, na agricultura, a taxa média de lucro normalmente obtida em outras atividades. Em recente artigo, José Eli Veiga transcreve um trecho de autoria de Ruy Miller Paiva e outros, no qual também constatam o mesmo fenômeno. Afirmam que nas propriedades de tamanho familiar torna-se possível a compressão da taxa de lucro para níveis próximos a zero, sendo exigida, tão somente, uma remuneração na forma de salários. A partir desta constatação concluem que "havendo uma substituição das grandes pelas pequenas propriedades a curva de custo da oferta de produtos agrícolas deve situar-se em nível mais baixo, e com isto, os preços dos produtos agrícolas no mercado deverão também situar-se em nível pouco inferior..."


Tais conclusões têm sido utilizadas para consubstanciar a necessidade de um programa de reforma agrária, na medida em que as propriedades familiares não necessitariam gerar a taxa de retorno competitiva para sua reprodução. Trata-se, sem dúvida, de uma justificativa para a implantação da reforma agrária calcada na pauperização do pequeno proprietário rural, e não, como seria de se esperar, apoiada em esforços no sentido de garantir-lhe melhores condições de rentabilidade e de investimento na produção agrícola; apregoa-se, portanto, a reversão à produção pré-capitalista, e a generalização de práticas agrícolas de subsistência. Nada poderia ser tão contrário ao esperado, pois tais sugestões chocam-se com uma desejável política agrícola orientada para o aumento da produção comercial, principalmente para o mercado interno, e para a modernização dos métodos de produção rural. Antes, seria mais recomendável a adoção de uma política de incentivo ao pequeno produtor, capaz de possibilitar-lhe uma taxa de retorno comparável à dos demais segmentos produtivos.


Assim, uma política econômica objetivando compensar e/ou enfraquecer as estruturas oligopolistas que envolvem o setor agrícola é certamente mais efetiva, e menos onerosa, do que a reforma agrária. Além disso, a questão da posse de terra está mais na proliferação de minifúndios, do que na resistência dos latifúndios. Uma política econômica objetivando a aglomeração dos minifúndios, e a manutenção de taxa de lucro competitiva para todos os produtores agrícolas seria, nas atuais circunstâncias, mais apropriada do que programas de reforma agrária. Concomitantemente, urge a obtenção de maior eficiência através do progresso tecnológico, uma base sólida para o aumento da produção e da renda do setor agrícola.


As reduções de custos poderiam recuperar a taxa de lucro na agricultura, incrementando a competitividade nos mercados externos, e ampliando o potencial aquisitivo do mercado interno de produtos alimentícios e de matérias-primas. A reforma agrária envolve, frequentemente, considerações que fogem do âmbito da análise econômica. Deve-se dizer, contudo, que as duas principais alegações econômicas a seu favor não foram confirmadas. A primeira refere-se à existência de deseconomias de escala na produção. Os dados empíricos apontam para a existência de uma curva de custos médios de longo prazo bastante plana, quase horizontal, indicando custos unitários constantes em relação ao volume de produção; a segunda, é a maior eficiência dos pequenos estabelecimentos em comparação com os grandes, uma conclusão também não confirmada.


Sem dúvida, a reforma agrária é necessária, especialmente em algumas regiões do País onde o acesso à terra produtiva é efetivamente um fator de impedimento ao crescimento da produção agropecuária. Estas regiões, no entanto, são relativamente pouco importantes como produtoras agrícolas. Ademais, programas localizados de reforma agrária não serão suficientes para dinamizar a agricultura como um todo, pois as regiões do Sul e do Centro-Sul do País, responsáveis pela maior parte da produção, não comportariam semelhantes programas de reforma fundiária.

 

MARCOS CINTRA CAVALCANTE DE ALBUQUERQUE. É doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor da Fundação Getulio Vargas (SP), e consultor econômico desta Folha.



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