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  • Marcos Cintra

O automóvel e a paisagem urbana

Historicamente, os diversos modos e sistemas de transporte causaram um grande impacto na formação e nas características espaciais das estruturas urbanas. Foi o desenvolvimento das ferrovias no século passado que permitiu o aparecimento de cidades como grandes centros manufatureiros já que matérias-primas puderam ser coletadas a maiores distâncias e bens finais puderam ser distribuídos de forma mais eficiente e menos custosa.


Tal concentração gerou economias externas nas cidades e o processo se tornou auto-alimentador criando então as grandes concentrações urbanas hoje existentes.


Desenvolvimentos na área de transportes também têm afetado profundamente a organização espacial interna das cidades.


Autores americanos já demonstraram a perda da importância relativa de Manhattan com relação a outras áreas de Nova York após a mudança de ênfase de transportes marítimos para transporte terrestre, possibilitando assim uma grande dispersão física observada nos modernos centros urbanos.


Esse processo de descentralização já começa a ser observado em grandes cidades do Brasil e de outros países subdesenvolvidos, causado principalmente pela introdução em massa do automóvel, e que tem afetado não só os padrões de localização industrial como também os de localização residencial e de serviços.


Raymond Vernon, autor de "Metropolis 1985", escreveu que "para que uma família, na era pré-automóvel, se sentisse parte da vida social de uma cidade, era indispensável possuir uma residência urbana, próxima, em veículos de tração animal, de óperas, teatros e hotéis". Agora, na era do automóvel, é possível escapar das estruturas envelhecidas das cidades de outrora.


Sem dúvida, é o automóvel um dos mais importantes fatores que têm permitido a dispersão das cidades modernas. Embora a necessidade do movimento "para fora" possa ser causada por forças que atuam in- dependentemente do modo de transporte, a velocidade e importância desse movimento têm dependido em grande parte do tipo de transporte existente.


Algumas dessas forças que levam à descentralização e à suburbanização podem ser citadas: política governamental, saturação, movimento "para fora" de' fontes de emprego industrial (embora ainda não esteja claro se a população segue a fonte de emprego ou vice-versa), custo da terra etc. Certos estudos efetuados nos Estados Unidos chegam a atribuir ao automóvel fatores de centralização e não de suburbanização.


O que deve ser concluído é que a revolução nos transportes, e mais especialmente a crescente importância do automóvel, tem sido uma condição necessária, mas não suficiente para explicar a estrutura espacial das cidades modernas. O que se pode notar é um processo de causação circular de fatores sociais, econômicos, culturais e tecnológicos que têm contribuído para achatar o gradiente de densidade urbana.


O automóvel tem sido apontado também como uma das principais causas dos males urbanos. Poluição, barulho, congestionamento e transporte público ineficiente têm sido diretamente relacionados com o aumento das taxas de propriedade de automóveis. No entanto, não podemos esquecer que esses males, juntamente com criminalidade, alienação, higiene precária e outros, são também sintomas de problemas humanos, sociais e industriais.


Devemos também, em compensação, levar em conta a importância da indústria automobilística na economia moderna. A título de exemplo, devemos recordar que se es- pera que, até 1976, com a instalação da Fiat em Minas Gerais, serão gerados 10 mil em- pregos diretos e 10 mil empregos indiretos. Se utilizarmos a taxa de 4 dependentes para cada empregado constataremos que 80 mil pessoas dependerão de uma só firma para sua sobrevivência.


Não se deve pensar no automóvel como causador de males e que deva, portanto, ser neutralizado, mas sim como um fator a ser controlado e adequado aos objetivos sociais. Não devemos, igualmente, pensar na utilização alternativa de outros modos de trans- porte urbano e esquecermos da importância que o automóvel já assumiu na paisagem urbana. Em realidade, não há escolha. O que devemos, isso sim, é utilizar o sistema de transportes como coadjuvante no tratamento e erradicação dos males urbanos modernos.


 

Publicado no Jornal Última Hora.


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