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  • Marcos Cintra

O Cruzado e o Cruzadinho

 As medidas anunciadas na semana passada objetivam ajustar o Plano Cruzado à atual conjuntura econômica. Qual seria, no entanto, o diagnóstico a justificar aquelas providências?


Pela ótica do governo, a contenção da demanda só seria efetivamente necessária em alguns mercados isolados, cuja evolução de preços tem se destacado na composição dos índices de custo de vida. No mais, as autoridades esperam que o mercado se ajuste rapidamente, tornando desnecessárias providências mais drásticas de contenção do consumo, tais como a adoção de políticas monetárias e fiscais mais apertadas.


A principal preocupação do governo encontra-se na questão de como viabilizar a retomada dos investimentos públicos nos níveis necessários para sustentar o crescimento previsto do PIB de 7% ao ano. Isso seria necessário também para induzir o setor privado a aumentar a capacidade instalada de suas plantas industriais. O problema vem se tornando angustiante a partir da constatação de que o espaço para uma efetiva reforma do setor público, que obtivesse aumentos de produtividade e redução de gastos, tornou-se estreito. Isso ocorreu não somente pelos esforços de contenção já desenvolvidos nos últimos anos, mas principalmente pelos reflexos eleitorais negativos que tais medidas poderiam surtir. Evidentemente, parte do pressuposto de que o efetivo enxugamento do setor público seria medida impopular, uma premissa que possivelmente não encontre respaldo no sentimento da população em relação ao Estado. Além disso, o governo não conseguiu reduzir o montante de recursos adicionais de que necessita para custeio e investimentos o controvertido déficit público que deverá atingir 5% do PIB, tornando assim a questão de como financiar suas necessidades de recursos de forma não inflacionária o fulcro do último pacote.


Quanto ao congelamento de preços e ao abastecimento, a atitude oficial é a de mais absoluta confiança na capacidade da burocracia de administrar o mercado, não temendo que as distorções acumuladas possam comprometer o sucesso do Plano no futuro imediato.


O conjunto de medidas de política econômica anunciado na semana passada, incluindo o Plano de Metas e o acordo Brasil-Argentina, é uma tentativa de dar sustentação à visão corrente no governo do processo econômico brasileiro.


As possibilidades de imediata importação de alimentos da Argentina são um importante coadjuvante na manutenção da normalidade no abastecimento interno. Garante-se, assim, vida mais longa ao congelamento de preços que, por ter obtido excelentes resultados no tocante à evolução de preços da cesta básica, é fator essencial na continuidade do apoio popular à política econômica do governo.


O Plano de Metas, ao ser apresentado conjuntamente com a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento, e com a imposição das taxas sobre viagens internacionais e empréstimos compulsórios sobre veículos e combustíveis, cria a falsa impressão de que os investimentos planejados acham-se devidamente custeados. Na realidade, o Plano de Metas prevê investimentos do governo da ordem de 4% a 5% do PIB ao ano, quando o setor público historicamente tem investido 10% do PIB. As previsões acerca do FND são de que em 1986 venha a participar adicionalmente com cerca de 1% do PIB no esforço de investimento. Somando-se a esses valores cerca de 5% do PIB que representam as necessidades de financiamento do governo - aceitando-se o equilíbrio no novo conceito de déficit corrente - sobrariam cerca de 4% do PIB que o governo ainda teria de absorver para a consecução dos planos de investimento e crescimento. Vê-se assim que o governo ainda terá de recorrer tanto ao financiamento inflacionário quanto à colocação de títulos públicos. Em ambos os casos, o efeito será uma elevação nos juros, agravando o problema financeiro do setor público, exatamente o que se pretende evitar com o conteúdo do pacote.


Por outro lado, é absoluta ingenuidade imaginar que as medidas anunciadas deverão ter efeito significativo na contenção do consumo. No máximo poderá conter o consumo de combustíveis, com a realocação do consumo para outros bens e serviços. O que se fez foi tão somente uma alteração nos preços relativos dos produtos, em nada alterando os preços relativos entre bens consumidos hoje e aqueles postergados para o futuro. Assim, não haverá poupança adicional, mas tão somente a transferência de parte dela para o governo. Além disso, poderá haver um aumento no consumo de bens e serviços internos como reflexo da elevação de preços de viagens ao exterior.


A administração optou por uma estratégia de estabilização econômica que já começa a mostrar sérios inconvenientes. De imediato, não se deve esperar que as medidas adotadas tenham a possibilidade de remediar a situação. Com pouco esforço no sentido de uma drástica reforma administrativa que possa amenizar os efeitos do déficit público, ao mesmo tempo em que se começa a observar o surgimento de tensões geradas pelo congelamento de preços, inevitavelmente deverão ser decretados novos pacotes para contornar a situação. Tal qual na Argentina, será pelo lado salarial e do setor público que deverão surgir as primeiras pressões que poderão comprometer o sucesso do Plano Cruzado.




Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Doutor pela Universidade de Harvard, professor do departamento de Economia da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e consultor de Economia desta Folha.

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