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  • Marcos Cintra - Gazeta Mercantil

Os US$ 5 trilhões do G20 solucionarão a crise?

Depende. A débâcle mundial surgiu nos EUA e começou com a desaceleração econômica no país cerca de dois anos atrás, em 2007. Isso aumentou a insolvência do mercado imobiliário, que havia assumido riscos muito além do que a prudência recomendaria. Tomou proporções alarmantes com a crise de credibilidade financeira, que não deve ser confundida com crise de liquidez, sendo deflagrada pela imperícia das autoridades econômicas do governo Bush, que permitiram a quebra do banco Lehman Brothers. O sistema financeiro tem efeitos econômicos semelhantes aos das "utilities" ou serviços do tipo energia elétrica, água e gás. Esses setores, por suas características específicas, compõem a infraestrutura da economia, não podem deixar de existir, ou quebrar, sejam eles públicos ou privados, sob pena de aniquilar toda a produção. Os bancos são semelhantes, irrigam o sistema produtivo. A ausência de crédito, quase tanto como a falta de energia elétrica, paralisa a atividade econômica.


A barbeiragem dos norte-americanos foi permitir que um setor estratégico como o financeiro, cujos fundamentos estão assentados na credibilidade, confiabilidade e solidez, ficasse com sua imagem comprometida. Isso aconteceu pela quebra do Lehman Brothers, dando início a uma crise sistêmica que se alastrou pelo mundo globalizado. As expectativas se deterioraram, as empresas se retraíram, e a liquidez passou a valer mais do que a rentabilidade. Os investimentos cessaram, o comércio externo e o crédito encolheram, e a retração econômica se instalou.


Três perguntas estão no ar:


A injeção maciça de US$ 5 trilhões (como anunciado ontem no G20) resolverá o problema? Os governos estão injetando liquidez na veia da economia diretamente, por meio de aumento de gastos públicos, não importando quais, desde que o dinheiro seja abundante e disponível. Tais medidas ajudam a superar a recessão, como qualquer aumento de liquidez em qualquer fase do ciclo econômico faria para aumentar a demanda agregada. Mas, isso não vai ao cerne da questão, que é a recuperação da credibilidade dos bancos. E parece que o mundo está dando cabeçadas sobre como restaurar a confiança no sistema financeiro. Sobra liquidez, mas empoçada porque falta confiança. O governo Barack Obama percebeu que a mera injeção de liquidez não resolveu o problema. E agora volta ao projeto inicial de Bush, propondo a limpeza dos balanços dos bancos mediante compras de ativos tóxicos. Mas será que os bancos venderão esses títulos? Afinal, muitos desses papéis estão escriturados por valores históricos, pois a marcação a mercado não é universal nos EUA. A venda de títulos abaixo do valor escriturado evidenciará a fragilidade que os bancos tentam esconder, e agravará ainda mais a perda de confiança que os ameaça. O Plano Obama ainda é uma incógnita.


Quais os efeitos dessa inundação de liquidez? A ciência econômica ainda não rejeitou o fato de que a inflação é um fenômeno monetário. Assim sendo, o que nos espera no futuro? A liquidez aumenta, os déficits públicos explodem, o tamanho do setor público cresce a cada dia. Voltaremos aos anos 1970 e 1980, com inflação crescente, baixo crescimento, instabilidade, insolvências em cadeia e governos inchados? O pêndulo uma hora irá para o outro extremo, com políticas fiscais e monetárias restritivas e baixo crescimento. No entanto, o que mais perturba é pensar que esse preço alto que o mundo pagará pelo expansionismo monetário atual poderá ser em vão se a crise de confiança no sistema financeiro não for urgentemente sanada.


Uma terceira dúvida é se a maciça injeção de liquidez será eficaz para aumentar a demanda agregada e dar início ao crescimento da produção e do comércio internacional. Certamente, o efeito será positivo. Mas poderia ser mais eficiente cortar impostos em vez de elevar os gastos. O impacto expansionista da elevação das despesas governamentais é maior no curto prazo do que o da redução de tributos. Contudo, a propensão a consumir dos agentes econômicos é uma função de sua renda permanente. Aumentos de renda vistos como pontuais e passageiros, como gastos públicos emergenciais, têm baixa propensão marginal a consumir, enquanto que a percepção de aumento de renda permanente, derivada de cortes de impostos, torna-a mais elevada. Os gastos públicos maiores são percebidos como não sustentáveis a longo prazo e serão seguidos por períodos de contenção fiscal. Isso faz com que a renda adicional gerada pelas despesas governamentais seja em boa parte poupada, e menos consumida do que se fosse um aumento de renda permanente, como ocorreria se o governo adotasse um corte em uma política de contenção tributária continuada. Como política de expansão econômica, os governos mundiais deveriam fazer um grande esforço para reduzir impostos. Dado um mesmo déficit público, é melhor que ele seja produzido por cortes de impostos do que por aumento de gastos.


 

Marcos Cintra: Professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas (FGV).



 

Publicado no Jornal do Brasil: 06/04/2009

Publicado no Jornal Gazeta Mercantil: 03/04/2009

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