Em um artigo publicado em 29/3 neste mesmo espaço, afirmou-se que o processo de ajuste necessário para o Brasil implica em uma contração na atividade interna. Em outras palavras, para recuperar superávits comerciais, que atualmente são praticamente inexistentes, é necessário um ajuste interno para conter o consumo e as importações, bem como uma mudança na relação entre salários e câmbio para tornar os produtos brasileiros mais competitivos para exportação e reduzir a competitividade dos produtos importados.
Para evitar esse doloroso processo de ajuste interno, o Brasil anunciou a suspensão do pagamento de parte dos juros devidos. O objetivo é reduzir o fluxo de renda líquida enviada ao exterior, já que, com a impossibilidade de financiá-lo com a entrada de dinheiro novo, esse fluxo estava ocorrendo principalmente por meio de superávits comerciais, que também não existem mais, devido à política econômica adotada durante o Plano Cruzado. As reservas também diminuíram, tornando a moratória uma alternativa inevitável.
Os dados na tabela ilustram a situação. A renda líquida enviada ao exterior aumentou de 2,2% do PIB em 1978 para quase 6% entre 1983 e 1984. Durante 1985 e 1986, permaneceu em patamares ainda elevados comparativamente ao final da década de 70. Até 1982, foi possível financiar o fluxo de renda ao exterior e os déficits comerciais com a entrada de capitais externos. No entanto, com a crise de 1982, a renda enviada ao exterior passou a ser financiada pelos saldos comerciais, conforme mostram os números da tabela. Como a poupança externa é a soma do saldo em conta corrente (excluindo pagamentos de fatores) mais a renda líquida do exterior, percebe-se que a contribuição externa para a sustentação dos investimentos internos, que também foram sensivelmente reduzidos no período, chegou praticamente a zero nos últimos três anos.
Na realidade, a suspensão dos pagamentos de juros é uma forma de financiamento compulsório imposta pelo Brasil aos seus credores. O fluxo de renda líquida do exterior não desaparece; o Brasil simplesmente o confiscou temporariamente, transformando-o em uma forma de poupança externa forçada.
A questão é avaliar as consequências dessa política. No curto prazo, efetivamente, há uma maior disponibilidade de recursos para financiar investimentos, mantendo assim o crescimento interno. Isso gera uma poupança externa compulsória e evita o ajuste interno necessário para obter superávits comerciais com o exterior.
No entanto, é importante questionar as consequências para o crescimento futuro da economia. Seria irrealista imaginar que a moratória será permanente, pois isso excluía naturalmente o Brasil dos fluxos de comércio e de capitais com o mundo desenvolvido. Mais cedo ou mais tarde, o país se verá diante da necessidade de optar entre um ajuste interno ou uma redução em sua capacidade de crescimento de longo prazo. A única saída para esse dilema seria uma improvável retomada do fluxo de poupança externa por meio de novos capitais, que, no entanto, aumentariam a dívida externa brasileira. Seria necessário também aumentar a taxa de poupança interna, o que dificilmente seria suficiente para financiar o necessário esforço de investimento, que chegou a 25,2% do PIB em 1978.
A moratória brasileira é, portanto, uma solução temporária. As verdadeiras dificuldades ainda precisarão ser enfrentadas.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é doutor pela Universidade de Harvard, chefe do Departamento de Economia da FGV/SP e consultor de Economia da Folha.