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  • Marcos Cintra

Pretensão e água benta

Nossos deputados e senadores estão de parabéns. Em poucas semanas, encontraram soluções para dúvidas que há milênios angustiam os melhores cérebros da humanidade. Os economistas não conseguiram - e provavelmente nunca conseguirão - chegar a conclusões convincentes acerca do que seja o "preço justo". Para alguns, o valor de uma mercadoria guarda estreita correspondência com seu custo de produção. No entanto, o custo nada mais é do que o valor dos insumos empregados na produção, uma circularidade lógica. Para outros, o valor é um conceito utilitarista, como demonstram com o exemplo do copo de água no deserto. Fica clara a dificuldade de se saber o preço "justo" de uma mercadoria.


Mas nossos representantes no Congresso aparentemente não se preocuparam com essas questões transcendentais. Na recém-aprovada lei de proteção à concorrência contra abusos do poder econômico, afirmam conhecer o valor "justo" das mercadorias. Estabelecem punições rigorosas contra os agentes que aumentem arbitrariamente os lucros. Também consideram crime a elevação de preços "não justificada pelo comportamento dos custos" ou "sem justa causa".


Além disso, ainda se gabam de serem capazes de julgar o nível de preços. O governo poderá exigir explicações e punir se "verificar" indícios de "preços excessivos". A leitura desta lei revela uma evidente intenção policialesca de controlar preços. Em outros países, para garantir que os preços sejam os mais baixos possíveis, a legislação busca garantir a concorrência. Pune rigorosamente a cartelização, a concentração da produção e o conluio de produtores contra os consumidores. Mas não avoca o julgamento dos preços. Limita-se a impedir a conjugação das condições necessárias às práticas consideradas anti-sociais. No Brasil, faz-se o oposto. O governo permite condições concentradoras de mercado, como a formação de câmaras setoriais para discutir e fixar preços e lucros para todos os produtores de um dado setor. Em compensação, diz ser capaz de julgar o efeito final - o preço "justo". Quanto talento!




MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 48 anos, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), é vereador da cidade de São Paulo pelo PL e professor titular da Fundação Getúlio Vargas (SP). Foi secretário do Planejamento e de Privatização e Parceria do Município de São Paulo na administração Paulo Maluf.

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