Uma pesquisa publicada na quinta-feira no jornal "Valor Econômico" mostrou que a privatização é rejeitada por 70% dos eleitores. Trata-se de uma lamentável constatação, e que pode ter sido decisiva no desfecho da sucessão presidencial. Há quem acredite que essa percepção seja fruto da mentalidade patrimonialista e assistencialista que muitos dizem ser características dominantes na cultura brasileira. Não creio que seja verdade. Antes, essa concepção atrasada do setor público pode ser fruto do modo como o tema foi tratado na recente campanha presidencial. Infelizmente, a dinâmica eleitoral causou um grande desserviço ao país. Transformou a privatização em palavra maldita, e reforçou na mente do brasileiro a crença equivocada de que cabe ao governo desempenhar funções mesmo que o livre mercado possa delas se desincumbir com maior eficiência. Durante a disputa eleitoral criou-se o fato de que o candidato de oposição privatizaria o que sobrou das estatais, inclusive o Banco do Brasil, a Petrobras, os Correios e a Caixa Econômica Federal. Estranhamente, o candidato do PSDB não defendeu de imediato o processo de desestatização que seu partido comandou a partir de meados dos anos 90, através do PND (Programa Nacional de Desestatização). Pior ainda foi não ter se manifestado enfaticamente em favor da privatização, já que quando era vice-governador ele foi o coordenador do PED (Programa Estadual de Desestatização) no Estado de São Paulo entre 1995 e 2000. O PED paulista rendeu R$ 32,9 bilhões. Com certeza, a posição defensiva do candidato de oposição não deve ter sido motivada por convicção, mas por oportunismo, ou, quem sabe, falta de firmeza. Tanto o PT como o PSDB passaram a impressão de que a privatização é ruim, que não gera benefícios para a sociedade. Isso não é verdade, mas pode ter impressionado a opinião pública. Além de gerar recursos para o governo, a privatização aumenta os investimentos, estimula a competitividade, melhora a qualidade dos serviços oferecidos, evita o loteamento político de cargos e reduz a corrupção e o tráfico de influência. Com certeza, os Delúbios e os Marcos Valérios (aliás, onde andam esses esquecidos personagens?) teriam tido muito mais dificuldades no desempenho de suas tenebrosas atividades se a política de privatização tivesse prosseguido no atual governo. Vale lembrar alguns fatos. O PND foi criado em 1990. O caso mais bem-sucedido de privatização foi o das telecomunicações. Entre 1990 e 2002, o setor foi responsável por um terço do resultado de US$ 105,5 bilhões (receitas de vendas mais dívidas transferidas) do PND. Desde 1998, o setor de telecomunicações investiu mais de R$ 130 bilhões. A quantidade de telefones fixos saltou de 20 milhões para mais de 42 milhões em meados de 2006. No caso dos celulares, a expansão no mesmo período foi de 7,4 milhões de aparelhos, para mais de 91 milhões. Os telefones públicos mais do que dobraram e ultrapassam 1,3 milhão de terminais. Na internet, o Brasil é hoje o líder na América do Sul, com 4,6 milhões de acessos, 6,5 vezes mais do que o registrado em 2002. Antes da privatização, a oferta de linhas telefônicas era restrita, os custos eram exorbitantes e a espera era longa. Os mais pobres nem pensavam em possuí-las. O mercado paralelo era pujante -e abusivo. Cumpre lembrar que, em outros setores, como o de energia elétrica, que representou um terço dos resultados do PND, a falta de uma boa regulamentação ainda limita seu desempenho. É preciso retomar as transferências para empresas privadas do que ainda resta da produção e da distribuição de energia sob o controle do governo. Essa é a questão que ainda precisa ser equacionada, e que os candidatos ignoraram. É necessário retomar sem constrangimentos a discussão sobre a continuidade da desestatização. Seria oportuna a retomada da privatização como as dos bancos de Santa Catarina e do Piauí, e do IRB. E por que não dar início a um amplo debate sobre a privatização dos grandes bancos estatais, da Petrobras, da previdência ou dos sistemas de transportes sobre trilhos e de saneamento nas grandes capitais? Se forem tabus, que sejam desacreditados, e que se analise a conveniência, ou não, de sua privatização sem preconceitos ou receios de patrulhamento ideológico.
MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.