O primeiro ano da década de 80 teve início sob um clima que aparentava prenunciar a reedição do milagre econômico do período 1971-74. O mundo ainda estava imerso num penoso processo de ajustamento aos choques do petróleo e das taxas de juros. Mas o Brasil desafiou a todos. Após três anos de taxas pouco espetaculares de crescimento do produto real - menos de 5% em 77 e 78, e 7,2% em 1979 - a economia cresceu mais de 9% em 1980.
No entanto, a mágica durou pouco. Entre 81 e 83, o Brasil encolheu quase 15%. As novas condições de escassez de financiamentos internacionais não deixaram outra alternativa senão a dolorosa contração, numa magnitude que provavelmente poderia ter sido atenuada caso, anteriormente, o país tivesse seguido uma política mais conservadora. Os dois anos seguintes foram de relativa recuperação - expansão de 5,7% e 8,4% em 84 e 85.
Em 86, mais uma vez, o Brasil quis mostrar ao mundo que era diferente, crescendo mais de 8%. Ignorou os mais elementares princípios da teoria econômica, comprovando que era um espécime absolutamente normal, incapaz de crescer aceleradamente, zerar a inflação, redistribuir renda e tudo isso com taxas negativas de juros reais e déficit fiscal elevado. O resultado foi a estagnação de 87 e 88, além da recente ameaça hiperinflacionária. Em nove anos, o produto real per capita aumentou apenas 10%, pouco mais de 1% ao ano.
Não deve surpreender, portanto, que doenças transmissíveis como tuberculose, hanseníase, malária e meningite tenham aumentado no país, que as gritantes desigualdades na distribuição de renda não tenham sido corrigidas, que o salário médio na indústria seja menos de um décimo do percebido pelo trabalhador alemão, um quinto do espanhol e cerca de 60% do que recebe um operário de Cingapura ou de Formosa, que a expectativa de vida do brasileiro seja de apenas 65 anos, contra mais de 75 anos nos países desenvolvidos, e que a mortalidade infantil tenha aumentado para 160 crianças de menos de cinco anos em cada mil nascidas, enquanto que a mesma estatística em Cuba é 87, na Suécia é 20 e na União Soviética é 53.
A crise da década de 80 atingiu também os demais países em desenvolvimento, principalmente os endividados. Os primeiros anos da década foram períodos de crescimento negativo para o conjunto dos 15 maiores devedores. A taxa média de expansão na década de 70 foi de quase 6%; entre 81 e 83, houve forte recessão, chegando ao crescimento negativo de cerca de 3%. No restante da década, a taxa média de expansão atingiu o máximo de 3,8% no período 85-86; foi de 2,5% no ano passado e será de menos de 2% em 1988.
O mais preocupante, porém, é que a crise da década de 80 criará condições para a crise dos anos 90. A taxa de formação de capital dos maiores devedores, que determina o potencial de crescimento da produção, atingiu a média de 24% do PIB nos anos 70, mas chegará ao final deste decênio em 18%. O Brasil não foge à regra, tendo chegado a uma taxa de investimento bruto de apenas 15,5% em 1985; o recorde da década pode ter sido em 87, com apenas 19,7% do PIB.
Nessas condições, não há como ser mais do que prudentemente otimista em relação ao futuro próximo. O descabido ufanismo de termos a sétima ou oitava maior estrutura industrial do mundo esconde apenas a vergonhosa pobreza da maior parte da população brasileira. O absurdo deste "ranking" fica patente se observarmos que a absorção da Bolívia, com toda sua miséria, faria o Brasil galgar postos mais elevados no rol das economias do mundo. O bem-estar não se mede pelo volume do produto, mas sim por sua capacidade em satisfazer as necessidades dos indivíduos. Medi-lo pelo total produzido, sem atentar para o número de partes em que terá de ser dividido, é apenas um artifício de propaganda, geralmente usado por ignorância ou má-fé.
O Brasil consome cerca de 80% de seu PIB. Estimativas preliminares mostram que nos últimos dois anos pode ter caído para 77%. Essa abstenção de consumo, porém, não ocorre para aumentar investimentos e permitir maiores fluxos de produção futura, mas sim para permitir as remessas de renda líquida ao exterior, por conta da dívida acumulada no passado.
Cabe lembrar que uma parte significativa do consumo é representada pelo consumo do governo. Não se trata das empresas estatais, do Estado empresário - cujo impacto econômico é contabilizado como sendo do setor privado nas contas nacionais - mas sim das funções típicas de governo, como saúde, educação, saneamento e outras atividades de forte cunho social. Na atual crise fiscal, são precisamente estas tarefas do governo as que vêm sofrendo as maiores restrições e degradação de qualidade.
O Estado no Brasil vem assumindo funções empresariais e adotando um comportamento de absoluta negligência em relação às suas atividades essenciais. Com isso, a parcela de serviços sociais no total do consumo vem decrescendo assustadoramente, embora as estatísticas oficiais não revelem este fato.
Em resumo, os anos 80 estão sendo de crise, e os custos do ajuste estão sendo perversamente distribuídos. Lançam-se as bases para a crise dos anos 90.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico desta Folha.