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  • Marcos Cintra

Reforma econômica confisca renda

Apesar das afirmações em contrário, o plano de estabilização brasileiro não foi neutro. Aceitando-se o fato de que a implementação do programa iniciou-se em fins do ano passado com a adoção de importantes medidas prévias, tais como a atuação mais intensa do CIP, as alterações tributárias de dezembro último, e as reformas na administração orçamentária, fica claro que haverá intensa redistribuição de renda na economia brasileira.


O setor público deverá crescer frente ao privado, e quanto à distribuição funcional de renda, os salários deverão aumentar sua participação - isto já vem ocorrendo desde inícios de 1985, e os efeitos do pacote de reformas deverão preservar estes ganhos, apesar de algumas falhas técnicas nele contidas; a parcela da renda do capital deverá cair, bem como sofrer mudanças em sua composição pela queda dos lucros do setor financeiro a favor do setor produtivo.


Vale lembrar ainda que o plano cruzado não deverá ser recessivo, mas sem dúvidas terá o efeito de reduzir o crescimento da economia dos 8% verificados no ano passado para algo em torno de 4 ou 5%, um resultado, aliás, necessário para impedir o surgimento de pressões inflacionárias de demanda. Todos estes efeitos contrastam intensamente com os do plano argentino de estabilização, como apontado neste mesmo espaço em 9 de março último.



Quanto às políticas monetária e fiscal, há importantes pontos em comum nas reformas da Argentina e do Brasil. Em ambas, a drástica queda nos índices inflacionários deverá incrementar sensivelmente a demanda por moeda. Três meses após a decretação do Plano Austral, a oferta monetária, medida pelo conceito M1 (depósitos à vista e papel moeda em circulação), saltou de 3% para 6% do PIB. No Brasil, os primeiros indícios dão conta de que, durante o mês de março, a quantidade de moeda em poder do público passou de C24 29 bilhões para C 37 bilhões, e que os depósitos à vista aumentaram de Czt 92 bilhões para Cz 146 bilhões. Esta queda na velocidade de circulação da moeda vai exigir que o governo autorize emissões para atender ao incremento da demanda. Isto está sendo feito agora, ao passo que na Argentina, elas antecederam o anúncio do programa de estabilização; houve ainda, no Plano Austral, o compromisso de que não haveria emissões de moeda para financiar o déficit público; no Brasil, porém esta é uma expectativa.



Quanto aos juros, em ambos os casos não há interesse imediato na sua drástica redução. A manutenção das taxas de recolhimentos compulsórios anteriores aos programas de estabilização impedirá que a poupança seja carreada para o financiamento de estoques, para a imobilização em imóveis, ou então, no caso argentino, para transferências ao exterior.



Em relação à política fiscal espera-se que, a exemplo do ocorrido na Argentina, as pressões sobre o orçamento público sejam amortecidas, principalmente pela elevação da carga tributária. O governo argentino elevou antecipadamente suas receitas pela recomposição das tarifas e dos preços públicos, bem como pelo aumento de impostos sobre o comércio externo; aqui, houve acentuado acréscimo na tributação sobre os rentistas, e redução dos prazos de recolhimentos de impostos. Em ambos, todavia, as reduções dos gastos não financeiros foram discretas. No Brasil as despesas do governo com juros poderão ser reduzidas pela inflação residual, ao desvalorizar o estoque da dívida.


Vale lembrar que, embora existam razões para esperar que a parte da receita tributária possa crescer de forma menos acentuada que antes do pacote - é o caso, por exemplo, da taxação sobre aplicações financeiras - o governo conta com as possibilidades de monetização de parte da sua dívida; conta, ademais, com o perfil de curto prazo do estoque de títulos públicos que, ao vencer dentro do prazo de congelamento das OTN, fará com que ocorra virtual confisco de renda dos que carregam aqueles papéis. O estoque da dívida mobiliária federal em poder do público era de cerca de Cr$ 240 bilhões no final do ano passado; como os vencimentos durante o prazo de congelamento chegarão a aproximadamente Cr$ 190 bilhões, tem-se uma clara indicação dos ganhos que o governo deverá obter.


A se confirmarem todas estas expectativas, o pacote de estabilização no Brasil tem boas probabilidades de lograr sucesso no equilíbrio orçamentário federal; contudo, isto deverá ocorrer mediante a imposição de pesados sacrifícios ao setor privado que, mais uma vez, arcará com uma parcela desproporcionalmente elevada dos custos.





MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), chefe do Departamento de Economia da Fundação Getulio Vargas em São Paulo consultor de Economia desta Folha.

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