O objetivo deste artigo é mostrar que uma reforma tributária nos moldes do Imposto Único poderia ser um importante coadjuvante na estratégia antiinflacionária do governo. A essência do argumento é que o Imposto Único reduz sensivelmente o "peso morto" da atual sistemática tributária, abrindo ampla margem de manobra para amortecer o conflito distributivo entre vários segmentos econômicos. Em outras palavras, abre espaço para recomposição salarial sem aumento do custo do trabalho; para queda no preço sem redução de margens; e para maior remuneração a fatores sem queda de arrecadação pública.
Uma das grandes dificuldades operacionais encontradas em planos de estabilização é o conflito entre perdedores e ganhadores. Às vezes reais, outras fictícias, esses conflitos geram confrontos e polêmicas que, com frequência, podem pressionar os formuladores da política de estabilização a tomar decisões erradas e, com isso, comprometer o sucesso das estratégias antiinflacionárias. Exemplo desse risco foi a concordância do governo no início do Plano Cruzado, em conceder o abono salarial. Esta decisão foi fatal, pois no afã de propiciar um clima político favorável ao plano, o governo acabou sancionando um substancial aumento na demanda, e a consequente retomada da espiral inflacionária.
A queda abrupta da inflação causa redistribuição de renda entre os vários segmentos da economia. Por exemplo, com salários nominais reajustados em intervalos longos, a inflação faz o assalariado sofrer perdas do poder aquisitivo, enquanto o empregador se beneficia de reduções em suas folhas de salários reais. Da mesma forma, contratos de aluguel, com reajustes trimestrais ou semestrais, poderão implicar enormes perdas para o locador em benefício dos locatários.
Em ambos os casos, a queda da inflação reverte o quadro e altera o perfil de distribuição da renda. Se a queda ocorrer com valores contratuais no pico, assalariados e locadores ganham relativamente à média dos rendimentos anteriores; e vice-versa, no caso da estabilidade ocorrer no vale dos valores contratuais.
Por essas razões, busca-se a conversão de todos os preços por seus valores médios, o que nem sempre é uma tarefa fácil. Sempre surgirão alegações de perdas inesperadas, dificuldades de cálculos e de estimativas, para não falar das manipulações políticas dos dados e informações disponíveis.
Vive-se no momento uma situação desse tipo. Assalariados alegam estar perdendo poder aquisitivo, seja pelos critérios de conversão de seus salários, seja pelos preços dos produtos de maior importância em suas respectivas cestas de consumo, que alegadamente estariam aumentando acima dos reajustes de seus vencimentos. As negociações entre fornecedores, industriais e comerciantes continuam tumultuadas, gerando incertezas e reduzindo o ritmo de adesão à URV.
Em outras palavras, a queda abrupta da inflação, como pretende o governo, deve ser acompanhada de um tipo de acordo social para evitar que existam setores que, na defesa de seus interesses, apostem contra a estabilidade.
Mas, infelizmente, a compreensão do que representa este pacto social difere radicalmente dependendo do ponto de vista de cada ator no cenário econômico. Para o governo, este entendimento significa maior arrecadação de impostos; para o trabalhador, mais salário; e para o empresário, mais lucros. Como compatibilizar esses interesses mutuamente inconsistentes?
O Imposto Único pode ser uma saída para esse impasse.
O custo da mão-de-obra para o empregador é o dobro dos salários efetivamente pagos ao trabalhador no setor formal da economia. Cerca de 25% são encargos que seriam eliminados com o Imposto Único. Dependendo do nível salarial, outros 25% são retidos com imposto de renda na fonte, que também seriam acrescidos aos rendimentos pagos ao assalariado com o Imposto Único. Se absorvidos integralmente pelos salários, esses dois acréscimos nos valores efetivamente embolsados pelo trabalhador poderiam representar um acréscimo real de até 66% sobre os rendimentos líquidos recebidos atualmente.
Cumpre acentuar que este potencial aumento de poder aquisitivo poderia ocorrer sem qualquer aumento no custo da mão-de-obra para o empregador, ou seja, sem redução nas margens empresariais, supondo-se constante o preço final do produto.
Nessas condições, o Imposto Único poderia servir como um colchão amortecedor entre as reivindicações sindicais que alegam que o plano implicou perda de poder aquisitivo ao trabalhador e a natural resistência do capital a reduções em suas margens de lucro. Em realidade, abre-se espaço simultâneo para aumentos de lucros, ampliação do poder aquisitivo dos salários e concomitante queda nos níveis de preços, em proporções que dependeriam das condições concorrenciais de cada um desses setores.
Além do espaço econômico aberto pela redução dos encargos e retenções trabalhistas, o Imposto Único abre outras perspectivas promissoras em uma estratégia antiinflacionária. A queda nos custos de produção seria significativa. A eliminação das obrigações acessórias tributárias - escrituração fiscal, emissão de notas fiscais, preenchimento de guias, livros e declarações - seria uma importante medida coadjuvante nos esforços de redução de custos e, consequentemente, do nível geral de preços.
Há estimativas que apontam para um custo global de arrecadação tributária que pode chegar a 30% dos valores efetivamente recolhidos. Incluem-se neste valor não apenas os custos do sistema tributário e previdenciário da União, dos 27 Estados e dos mais de 5.000 municípios brasileiros. A estes devem ser somados os custos a serem imputados ao sistema previdenciário tributário oriundos dos gastos dos poderes legislativo e judiciário relacionados com a arrecadação, controle e fiscalização de tributos nos três níveis de governo. E ainda os custos das obrigações acessórias suportados pelo próprio setor privado.
Em suma, o Imposto Único abre ampla margem de manobra e de negociação dentro de um novo perfil de distribuição de renda gerado pela estabilidade monetária. Além dos impactos redistributivos internos ao setor privado, favorecendo os atuais contribuintes e apenando os sonegadores e evasores.
Finalmente, cabe apontar que uma reforma tributária nos moldes do Imposto Único poderia ser rapidamente implementada dentro do atual quadro institucional. Alguns impostos poderiam ser imediatamente eliminados, como o Cofins e adicionais do Imposto de Renda. Concomitantemente, se ampliaria a alíquota do IPMF, ao mesmo tempo em que seriam concedidos descontos sobre as guias de recolhimento dos demais impostos para evitar aumentos da carga tributária efetiva.
Marcos Cintra é professor titular de economia e ex-diretor da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, vereador pelo PL-SP e candidato a deputado federal.
Publicado no Jornal Folha Cultural.