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Marcos Cintra

Um soco no estômago

Vivi, recentemente, uma triste e pungente experiência. Observando as fotos das ocorridas em Paraisópolis, quando moradores daquela favela depredavam propriedades e agrediam pessoas em combate campal com a Polícia Militar, identifiquei jovens que eu conheci algum tempo antes em circunstâncias totalmente diversas.


Lembrei-me deles sem as feições embrutecidas que exibiam durante as arruaças, mas como saudáveis meninos pegadores de bola em uma academia de tênis. Eram jovens com idade entre 9 e 12 anos que, após o período escolar, ganhavam alguns trocados participando como auxiliares de partidas de tênis.


Nos períodos de ociosidade das quadras, brincavam entre si, jogando tênis e tomando gosto pela prática salutar da cultura física. Não tinham salário nem horário fixo e obrigações a serem observadas. Apenas passavam seu tempo pegando bolas em troca de alguns reais para suas despesas.


No passado, esse costume induziu vários desses jovens pegadores de bola a se tornarem profissionais em suas respectivas modalidades esportivas. Outros acabaram cursando faculdades de educação física. Outros ainda se profissionalizaram como treinadores. E tudo como resultado dessa convivência lúdica com o esporte e com o aprendizado de uma técnica ou de uma profissão.


Chamava-me a atenção que o dono da academia exigia desses meninos que mostrassem seus boletins escolares, chegando até mesmo a impedir que frequentassem a academia enquanto não demonstrassem que suas notas eram adequadas.


Um dia, as autoridades baixaram no recinto e proibiram, sob alegação de trabalho infantil, que esses jovens continuassem naquelas condições. Cumprindo as determinações da legislação trabalhista, nossos zelosos guardiões da lei não deram alternativas aos meninos pegadores de bola, a não ser perambular pelas esquálidas ruas da favela.


Como a ociosidade é a mãe dos vícios, tempo depois, como pude constatar, aqueles meninos, já adolescentes, acabaram engrossando as fileiras dos baderneiros e servindo de massa de manobra para os bandidos e traficantes daquela região.


Não é minha intenção criticar as autoridades, que apenas cumprem a lei. Como foi dito por elas ao proprietário da academia, naquele caso específico, sentiam-se incomodadas por terem que cumprir suas obrigações legais, mas afirmaram que era comum casos de flagrante exploração de trabalho infantil, uma prática universalmente repudiada e a ser extirpada de nosso meio.


Vem então a pergunta: o que fazer? É triste ver que aqueles jovens não puderam encontrar caminhos que evitassem que fossem transformados em meliantes e bandidos em potencial.

Como secretário municipal do Trabalho de São Paulo, proporei ao prefeito Gilberto Kassab que procuremos o Ministério Público e o Ministério do Trabalho para a celebração de um acordo criando um programa que recupere práticas como a que presenciei no passado naquelas quadras de tênis. Outras prefeituras poderiam fazer o mesmo.


Quem sabe a cada bola lançada para uma raquete haja um coquetel molotov a menos arremessado com ódio na cara do cidadão de bem.

 

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é secretário municipal do Trabalho e Desenvolvimento Econômico de São Paulo. É autor da proposta do Imposto Único.

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