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Marcos Cintra

Uma proposta de política econômica

O insucesso do governo Collor na implementação de reformas modernizantes não se deve, prioritariamente, a deficiências no quadro de executores do projeto. Embora a equipe de governo esteja desgastada, a causa fundamental das frustrações está na concepção difusa e mal definida de um novo paradigma de governo.


Há propostas coerentes com a modernização desejada. No entanto, lamentavelmente, elas são apresentadas de forma isolada, pouco integradas a uma concepção moderna de gestão pública. Em outras palavras, na ausência de um novo padrão, a ação concreta do governo Collor muitas vezes se mostra contraditória. Avanços concretos são seguidos por retrocessos.


Existem propostas para quase todos os principais temas políticos e econômicos. Os projetos estão à mesa, variando desde as propostas mais candentes de liberalização e liberdade política até projetos empolgantes que buscam maior competitividade, eficiência e abertura econômica. Contudo, embora as propostas sejam formuladas em roupagens modernas, as dificuldades concretas são enfrentadas por meio de velhos vícios. Daí as evidentes contradições entre projeto e prática, discurso e ação, virtudes e vícios.


É necessário consolidar um novo paradigma modernizante, capaz de orientar as ações concretas de todos, governo e sociedade, na busca por maior progresso, crescimento e justiça social. É preciso buscar diretrizes que garantam não apenas as reformas necessárias, mas também evitem recaídas em padrões de comportamento velhos e ultrapassados.


O novo paradigma implica três posturas básicas de reação ao velho modelo de administração pública:


**Burocracia x Mercado** - A primeira se refere ao modo decisório. O velho paradigma priorizava a estrutura governamental burocrática como o principal mecanismo decisório. As decisões eram tomadas no âmbito público e truculentamente impostas à sociedade. O novo paradigma impõe que a instância decisória fundamental seja transferida para o mercado. É no âmbito da sociedade como um todo que as principais diretrizes comportamentais devem ser buscadas. A ação governamental não pode se contrapor ao mercado, desde que devidamente corrigidas suas distorções mais evidentes, amplamente conhecidas e aceitas mesmo nas economias de mercado mais modernas (o que impõe a necessidade de uma efetiva legislação antitruste e de proteção ao consumidor e à concorrência).


Como buscar eficiência, produtividade e competitividade se os governantes acreditam ser capazes de fixar preços, impor decisões empresariais, regulamentar os mínimos detalhes da ação individual? Como impor o novo paradigma recorrendo insistentemente aos velhos e desgastados modos de ação?


**Centralização x Concorrência** - Os velhos métodos priorizavam a centralização, não apenas na gestão pública, mas também nas representações classistas, nos interlocutores do setor privado, nos cartéis, nos privilégios aos apaniguados, nos cartórios e, certamente, na brutal concentração de autoridade nas mãos dos detentores do poder, público ou privado. Hoje, privilegia-se a concorrência. As inovações tecnológicas e administrativas dependem de um clima de competição saudável, sem privilégios ou favores. Busca-se o ideal do liberalismo, que garante igualdade nas condições de concorrência e induz o surgimento de talentos individuais.


Como gerar desenvolvimento e dinamismo se os indivíduos ainda se voltam ao centralismo de um Estado falido, imerso em sua mais brutal crise financeira, em busca de orientação, autorizações, créditos privilegiados, favores escusos e benesses reservadas pela força da corrupção? Como modernizar uma economia onde a negociação e o acordo substituem a imparcialidade das regras competitivas?


**Consenso x Escolha** - A administração pública, no velho paradigma, buscava tutelar o cidadão. A premissa básica era de que a estrutura burocrática sabia mais, podia mais, e, portanto, cabia a ela decidir pelo indivíduo, a quem não eram oferecidas escolhas ou opções. Hoje, a modernidade reside na possibilidade da escolha. O cidadão, melhor do que ninguém, sabe o que lhe convém. As opções devem ser incentivadas, e a obrigatoriedade, em qualquer área da gestão pública, deve ser restrita ao mínimo necessário.


Como exercer a verdadeira cidadania se o Estado impõe padrões de representação sindical, de serviços previdenciários, de exigências burocráticas ultrapassadas e até de obrigatoriedade eleitoral?


O novo paradigma, baseado no mercado, na concorrência e na escolha, deve presidir todas as ações de governo. É a forma de evitar retrocessos na tendência modernizante que o presidente deseja introduzir no país. Para isso, contudo, é preciso que esse paradigma tenha plena e genuína aceitação por parte dos governantes. Não basta que esses princípios orientem as decisões públicas apenas nos momentos em que essa postura seja conveniente ao governo. É preciso uma autêntica crença nesses princípios básicos, de forma a nortearem as ações concretas e a formulação de políticas públicas.


**Atos de Coragem** - Com sólidas convicções no novo paradigma de gestão pública, a modernização do país não prescinde de algumas iniciativas fundamentais. São pontos basilares na definição de um novo padrão de crescimento e de desenvolvimento.


**Resistir ao intervencionismo** - No atual quadro de descrédito da classe e das instituições políticas no Brasil, é urgente reagir contra todas as tentações intervencionistas e estatizantes. Aplicar uma política econômica dentro dos limites do respeito absoluto à ordem institucional é condição necessária para a estabilização. Isso implica um compromisso solene com o primado da estabilidade das regras. A autodisciplina seria, nesse caso, uma qualidade imprescindível ao governante.


Urge compatibilizar metas com operadores e dar uma oportunidade à verdadeira política econômica liberal, calcada no novo paradigma, livre dos velhos hábitos. Não há como implementar um programa de governo se os responsáveis por sua execução não se mostram capazes de transmitir à sociedade seu inequívoco compromisso com as bases conceituais do projeto que propõem implementar.


Não há mais tempo a perder com experiências que já se revelaram ineficazes no passado. O país clama por mais liberdade econômica, regras claras e estáveis, respeito pela ordem jurídica e um efetivo equilíbrio entre os poderes.


É necessário que haja, como requisito básico para o sucesso, uma equipe de governo cujo padrão de comportamento não deixe a mínima margem de dúvida acerca de seu compromisso com o projeto modernizante que o presidente está propondo. É necessário que haja nomes que, por si mesmos, imponham um padrão de confiabilidade que torne impensável, inexequível, qualquer alteração de rumo capaz de arranhar, ainda que de leve, a confiança neles depositada.


Com regras estáveis, respeito pelas instituições e competência técnica, o governo reconquistaria prestígio para detalhar e implementar o PRN. O projeto foi bem recebido, ainda que com grande incredulidade no tocante à sua implementação. Superar essa descrença e permitir a reversão das expectativas é o principal obstáculo a ser removido em sua viabilização técnica e política.


**Radicalizar a reforma do Estado** - É necessário redimensionar e readequar as funções do Estado na economia. Um radical processo de privatização e de desregulamentação seria o caminho para valorizar e priorizar as funções sociais do poder público. Hoje, em profunda crise, o Estado não consegue desempenhar seu papel produtivo, que no passado foi um fundamental indutor do crescimento industrial brasileiro. Por idênticas razões, também não cumpre seu papel social, falhando em proporcionar à sociedade as condições que garantiriam igualdade de oportunidades e competitividade a todos os cidadãos.


É necessário discriminar com clareza onde o Estado deve, e onde não deve, atuar. Não se trata de renegar a presença de um Estado forte. É preciso reduzir a presença estatal na produção de bens não-públicos e incentivar novos investimentos na produção de bens públicos, setor onde apenas ele deve atuar. Nos setores de bens não-públicos, além da privatização até onde possível, deve-se proibir qualquer aumento de capital por parte do setor público nas empresas nas quais seja acionista. Congela-se a participação estatal, e abrem-se, na margem, perspectivas de investimentos para o setor privado.


Ao impor cortes generalizados de verbas, a política de reforma administrativa do governo contribuiu para uma sequência de verdadeiros atentados à modernização e ao aprimoramento do setor público. Mostrou-se incapaz de discriminar o supérfluo e perdulário das funções governamentais básicas, que precisam de urgentes estímulos e fortalecimento.


É necessário cessar o arremedo de ajuste fiscal que vem sendo posto em prática, e que está apenas sucateando irremediavelmente o setor estatal. Nesse sentido, o governo Collor não se diferencia dos que o antecederam. Ao mesmo tempo em que não obtém sucesso em sua modernização, torna cada vez mais inviável um processo abrangente de privatização, com evidentes prejuízos para as atividades essenciais de governo, carentes de impulso e crescimento, como educação, saúde, saneamento, habitação e segurança.


O Estado precisa efetuar uma permuta de papéis; reduzir sua participação no setor produtivo (e assim permitir a expansão dos investimentos privados); por outro lado, investir pesadamente no setor social. Sem pesados investimentos nesta área, o país jamais terá condições de dar mais um salto qualitativo em seu processo de desenvolvimento.


Ainda neste capítulo, cabe alertar para a crise de endividamento que cerca o setor público brasileiro. Na realidade, teceu-se uma teia de endividamentos cruzados entre o setor estatal e o setor privado, bem como entre órgãos do próprio governo entre si. Hoje, praticamente todos devem a todos. Portanto, é urgente efetivar um processo de consolidação e cancelamento de dívidas. Trata-se


de anular os créditos mútuos, e acertar um novo ponto de partida. Caso contrário, estaremos eternamente enfrentando uma ciranda onde os problemas se sucedem e se renovam. O sistema deve ser pacificado, e a consolidação é o único caminho viável.


**Mobilizar a sociedade civil** - Nenhum processo de modernização do Brasil terá sucesso sem o efetivo e profundo envolvimento da sociedade civil. Qualquer tentativa de impor mudanças de cima para baixo, mesmo quando embasada nas melhores intenções, tem grandes chances de fracasso.


Para isso, torna-se imperioso que se faça ampla divulgação, explicação e esclarecimento do PRN. O discurso do governo Collor precisa ser simplificado, de forma a envolver toda a sociedade. É preciso falar uma linguagem clara e acessível, na qual todos se sintam mobilizados em torno de um projeto capaz de resgatar o país do atual estado de apatia e descrença.


Além disso, o governo precisa se preocupar em garantir ampla legitimidade às reformas pretendidas, convocando representantes de toda a sociedade para discutir e participar das decisões que afetarão o destino do Brasil.


Conclusão - O governo Collor foi eleito em um momento de grave crise política e econômica, com a missão de promover reformas modernizantes que pudessem colocar o país em uma nova trajetória de crescimento e desenvolvimento. No entanto, a implementação dessas reformas tem sido marcada por contradições, falta de clareza conceitual e dificuldades práticas.


Para superar esses obstáculos, é essencial que o governo adote um novo paradigma de gestão pública, baseado em princípios de mercado, concorrência e escolha. Esse paradigma deve orientar todas as ações de governo, evitando retrocessos e garantindo a implementação eficaz do projeto modernizante.


Além disso, é necessário um compromisso firme com a estabilidade institucional, a reforma do Estado e a mobilização da sociedade civil. Somente com uma atuação coordenada e transparente será possível reverter a descrença e avançar rumo a um Brasil mais moderno, justo e competitivo.

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